Falta de chips pode reduzir resultado de 2021 em mais de 300 mil veículos e deve se prolongar por mais um ano
O movimento de vendas de veículos no País em outubro mostrou mais um resultado fraco, amarrado pela falta de semicondutores que segue impedindo a indústria de atender toda a demanda. A menos de dois meses de terminar 2021, o ritmo atual aponta para um desempenho anual frustrante, algo em torno de 300 mil unidades a menos do que as projeções divulgadas pelos fabricantes reunidos na Anfavea no início deste ano.
Os números indicam agora mercado pouco acima de 2 milhões de unidades, praticamente igual a 2020, que já tinha sido fortemente impactado pela pandemia de coronavírus. Para piorar, o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, alertou que a escassez de microchips pode se prolongar até o fim de 2022 e ainda se somar a problemas econômicos esperados, que tendem a contrair o consumo.
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Moraes lembrou que a consultoria BCG já revisou para cima a perda de produção este ano por conta da falta de semicondutores. Os fabricantes em todo o mundo devem produzir de 10 milhões a 12 milhões veículos a menos do que estava programado no início de 2021. E para 2022 a BCG estima novas perdas de 5 milhões de unidades.
“A falta de semicondutores continua sendo o maior desafio. Tínhamos a previsão de que o fornecimento deveria se normalizar até o meio de 2022, mas a indicação é que a escassez deve afetar a produção até o fim do ano que vem. Em 2020 tivemos o problema de saúde pública com a pandemia e agora vivemos as sequelas desse período, com gargalos de logística e falta de componentes para produzir que se prolongam a cada mês”, avalia Luiz Carlos Moraes.
Desorganização produtiva e deterioração da economia
O presidente da Anfavea explica que a falta de semicondutores afeta principalmente os fornecedores de todos os tipos de módulos eletrônicos utilizados em escala cada vez maior nos veículos atuais. Segundo Moraes, a cada dia aparece um novo problema, tanto de fornecimento como de logística, como é o caso agora da greve de greve dos caminhoneiros no Porto de Santos, por onde muitas montadoras trazem peças. “Algumas empresas já estão com o container liberado, programaram a produção, mas não conseguem tirar os componentes de lá. Esperamos que isso possa ser resolvido rapidamente, ou pode causar paralisações e piorar a situação das fábricas”, afirmou.
Moraes destaca que o maior problema vivido pela indústria no momento é programar a produção de sua longa cadeia de suprimentos. Sem a certeza de contar com os componentes para produzir, o ritmo de produção precisa ser ajustado a todo momento, algumas linhas precisam ser paralisadas, veículos ficam no pátio a espera de peças, funcionários são afastados.
Para além da falta de chips e outros componentes, como pneus, a deterioração da economia com alta continuada da inflação, dos juros e do dólar em nada favorece o desempenho do setor. “As perspectivas estão piores, o cenário para 2022 não é bom, já se fala em baixo crescimento ou até em queda do PIB. O desemprego é muito alto, apenas 90 milhões de pessoas estão ocupadas (em um país de mais de 200 milhões de habitantes). A taxa média de juros do CDC (crédito direto ao consumidor) já está em 23,9% ao ano, o maior nível desde junho de 2017”, aponta.
“Quando superarmos o problema da falta de componentes, nossa preocupação é com uma possível redução da demanda. Esperamos por crescimento, mas governo e Congresso devem fazer sua parte para não piorar a economia. Está no horizonte a agenda eleitoral do próximo ano, que não pode ficar acima das agendas econômica, social e de reformas. Espero que Brasília perceba isso o mais rápido possível”, defende Moraes.
Os piores resultados em cinco anos
A Anfavea divulgou os resultados consolidados da indústria na segunda-feira, 8, mostrando que os volumes de vendas de outubro e do acumulado do ano foram os piores dos últimos cinco anos, desde 2016 não se viam números tão baixos. Foram 162,3 mil emplacamentos de veículos leves e pesados no mês, número apenas 4,7% maior que o de setembro – até agora o pior mês de 2021 – e expressivos 24,5% abaixo do verificado em outubro de 2020.
Com isso, as vendas de 10 meses totalizam quase 1,74 milhão de unidades, ainda 9,5% acima do mesmo intervalo do ano passado, mas esse crescimento não deve ser sustentado até o fim de dezembro. Os estoques continuam nos mais baixos níveis históricos: os pátios das montadoras e concessionárias tinham 93,5 mil veículos em outubro, o equivalente a apenas 17 dias de vendas no ritmo atual, quando o normal é algo como o dobro disso.
> Veja aqui a Carta da Anfavea de novembro/2021
> Veja aqui a apresentação dos resultados da indústria em outubro e 10 meses de 2021
“Vamos tentar fechar novembro e dezembro no melhor patamar possível para atender a demanda, mas seguimos com volumes muito abaixo da média de 2019 e do segundo semestre de 2020”, avaliou Moraes.
Moraes estima que o ritmo atual de produção e vendas está “no meio” entre a melhor e pior das duas hipóteses projetadas pela entidade no começo de outubro, quando as previsões do ano foram revisada para baixo em função da falta de semicondutores para produzir.
Segundo essas estimativas, se a produção alcançar a média de 160 mil unidades/mês no último trimestre de 2021, para demanda doméstica e exportações, seria suficiente para sustentar um mercado interno anual de 2,04 milhões de veículos (incluindo nacionais e importados), volume 330 mil unidades abaixo do previsto no início deste ano pela Anfavea. A segunda hipótese, pouco mais otimista, seria de produzir 190 mil/mês no período, o que elevaria a previsão de vendas no Brasil para 2,12 milhões, 250 mil abaixo do projetado em janeiro passado.
As fábricas conseguiram montar 178 mil veículos em outubro, ficando assim no meio entre as duas expectativas, indicando que a indústria deverá produzir não muito mais que 2,2 milhões de veículos, o que seria suficiente para atender mercado doméstico não muito maior que 2 milhões, incluindo importações.
Desempenhos desiguais
O desempenho das vendas continua bastante desigual entre os diversos segmentos do mercado brasileiro. De maneira geral, o resultado de veículos comerciais de carga é bem melhor que o de modelos para passageiros leves e pesados.
O segmento de automóveis, que de janeiro a outubro representam 73,4% do mercado brasileiro, com 1,28 milhão de unidades, é o mais afetado pela falta de semicondutores e o que menos cresce: apenas 2,6% sobre 2020. As vendas de vans de passageiros, ainda sob impacto da pandemia, estão 3,8% abaixo do mesmo período do ano passado – é a única categoria com desempenho negativo. Algo parecido acontece com os ônibus, com apenas 11,8 mil emplacamentos e pequeno avanço anual de 3,8%.
O oposto acontece com caminhões, furgões e picapes, que em 10 meses registraram alta nas vendas sobre 2020 respectivamente de 50,4%, 37,8% e 32,9%. O desempenho desses segmentos vem sendo puxado pela expansão das entregas urbanas no caso de modelos comerciais leves de carga – o que explica o avanço ainda maior, de 46%, dos furgões grandes –, e pelo agronegócio que concentra as compras em modelos extrapesados. O crescimento das picapes, especialmente de maior porte (+36%), é mais intenso nas regiões dominadas pelo agronegócio, mas são modelos também usados para transporte pessoal e familiar.