Especialistas da MRD Consulting, IHS Markit e Roland Berger avaliam as causas e os impactos da decisão da companhia de fechar fábricas
Na segunda-feira, 11, caiu como uma bomba o anúncio de que a Ford vai encerrar a produção de veículos no Brasil. Apesar do susto, a decisão foi pouco surpreendente para os analistas de mercado consultados por Automotive Business. “Já era algo esperado com as decisões estratégicas e anúncios recentes da organização. A questão é que ninguém tinha coragem de assumir como um fato”, resume Fernando Trujillo, consultor da IHS Markit.
Flávio Padovan, sócio da MRD Consulting, e Marcus Ayres, sócio da Roland Berger, concordam que o anúncio era, de alguma forma, esperado. A falta do fator surpresa, no entanto, não torna a notícia mais fácil de ser compreendida e digerida.
Por isso, com base nas principais questões enviadas pela audiência de AB no Instagram, a reportagem traz sete respostas sobre a decisão da Ford de fechar as fábricas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE), onde são feitos veículos da marca Troller.
1 – COMO FICA A OPERAÇÃO LOCAL DA FORD?
A empresa interrompe, com efeito imediato, a produção das plantas de Camaçari (BA) e de Taubaté (SP) apenas dois anos depois de fechar a sua operação de caminhões e a fábrica de São Bernardo do Campo (SP). A unidade da Troller em Horizonte (CE) segue ativa até o fim de 2021 para cumprir acordos locais. Com isso, saem de linha os Ford Ka e Ecosport e, em breve, o Troller T4.
A companhia continua com a produção da Ranger na Argentina e fará a Transit no Uruguai este ano – veículos que seguirão importados para o mercado brasileiro. Da China, continua vindo o SUV Territory, com custo elevado por causa do câmbio. Do México, será importado o Bronco em condições mais competitivas por causa do acordo automotivo com o país e, enfim, há a promessa de lançar localmente o Mustang Mach 1, produzido nos Estados Unidos.
“Na prática, a Ford se transforma em uma empresa de nicho, uma importadora com volumes pequenos”, diz Padovan, que, no passado, foi diretor de operações da Ford no Brasil.
2 – A DECISÃO FOI MOTIVADA PELA PANDEMIA?
Apesar do comunicado distribuído pela Ford sobre o encerramento da produção local associar a decisão com a pandemia, a medida não foi circunstancial. “Há três anos a empresa anunciou a orientação global para deixar de produzir automóveis e focar em utilitários esportivos e picapes, algo que já tinha pouco alinhamento com a estratégia brasileira. Depois, há dois anos, veio a decisão de fechar a operação de São Bernardo do Campo”, lembra Ayres.
Trujillo, da IHS, aponta que, em meio a tudo isso, a empresa deu outro sinal ao fechar sua fábrica na Austrália e ao deixar de investir na disputa por participação de mercado e no lançamento de novos carros brasileiros. Ele compara o movimento com o que a General Motors fez ao sair do mercado europeu e manter o foco na América do Norte, América do Sul e China.
“As montadoras, em geral, estão passando por uma reestruturação causada pela necessidade imediata de investir em eletrificação. Em muitos casos a decisão é de que não vale a pena ser global: pode ser preciso enxugar operações para conseguir arcar com os custos da tecnologia”, diz Trujillo.
Os três consultores lembram que outra consequência dos altos investimentos necessários para eletrificar veículos e avançar em outras tecnologias como automatização e conectividade é a consolidação dos negócios, com a fusão entre empresas. O exemplo mais atual é o da Stellantis, que nasce da colaboração entre Fiat Chrysler Automóveis (FCA) e Grupo PSA.
3 – QUAL É O IMPACTO DA SAÍDA DA FORD DO BRASIL?
De imediato, para a Ford, a resposta foi positiva: as ações da companhia subiram 3,3% na Bolsa de Nova York, um indicador de que os investidores entendem que o movimento pode representar um passo em direção ao futuro eletrificado e automatizado.
Localmente, o viés é bem menos entusiasmado, com a redução de 5 mil empregos diretos. Na cadeia de fornecedores este número pode chegar a 10 mil vagas, em uma estimativa que toma como base a proporção de empregos nas montadoras e na cadeia de fornecedores. Ayres acredita, no entanto, que a cadeia de valor vai se reorganizar com novas demandas que tendem a surgir com a evolução da indústria nos próximos anos.
Ao colocar em perspectiva, ele aponta que a perda de 15 mil empregos não têm por si só impacto forte na economia brasileira, mas certamente há um efeito bastante negativo nas cidades em que estes cortes acontecem. “Existe toda uma estrutura de pessoas e serviços organizados no entorno das fábricas. Outro ponto é que o setor automotivo oferece empregos de qualidade e, neste ponto, teremos uma redução”, diz.
Há ainda a rede de distribuição da marca que soma 282 concessionárias e tende a ser bastante afetada. “O volume de vendas da marca vai cair drasticamente, então certamente veremos consolidações e uma redução do número de revendas”, avalia Trujillo, sinalizando a perda de mais empregos.
4 – QUEM VAI FICAR COM O ESPAÇO OCUPADO PELA FORD ATÉ ENTÃO NO MERCADO?
Uma coisa é consenso: como importadora, a Ford terá presença bastante tímida nas vendas. A empresa encerrou 2020 com participação de 7,14% – fatia que deverá a ser dividida entre várias marcas, como estima Padovan: “No ano passado a empresa vendeu 140 mil veículos, um volume que será disputado por todas as empresas.”
Como a linha de produtos nacionais da marca já estava bastante enxuta, o consumidor não será impactado de forma drástica, já que seguirá com opções de compra. Ainda assim, o encerramento da operação local reforça um movimento em curso de oferta cada vez mais ampla de veículos com maior valor agregado e redução do mercado de carros de entrada, com custo mais baixo – posição que o Ka ocupava.
5 – POR QUE SAIR DO BRASIL, MAS MANTER A OPERAÇÃO NA ARGENTINA?
Padovan diz que a decisão da Ford está longe de ser política, mas entende que a saída neste momento foi, sim, estimulada pela falta de articulação entre a indústria automotiva e o governo federal, sem a possibilidade de negociar melhores condições.
De qualquer forma, Ayres lembra que manter as atividades no país vizinho é uma estratégia coerente:
“A Ford já produz na Argentina um produto alinhado com a sua estratégia, que é a Ranger. A operação do País também tem vocação exportadora, com 70% da produção destinada a outros mercados. Outro ponto é que lá a economia é mais dolarizada”, diz o sócio da Roland Berger.
6 – O QUE ACONTECE COM OS ATIVOS E FÁBRICAS DA FORD?
Quase dois anos depois de anunciar o encerramento das atividades na fábrica de São Bernardo do Campo, em outubro do ano passado a empresa vendeu o terreno da unidade à Construtora São José. Padovan entende que os ativos que a companhia torna ociosos agora têm chances de encontrar um destino mais rapidamente ou de manter a vocação automotiva:
“A unidade de Camaçari, por exemplo, é muito mais moderna e tem um bom potencial. A Troller tem destino bastante incerto como marca, mas pode encontrar um investidor”, diz o analista.
Ayres acrescenta: “O dinamismo da indústria automotiva é muito grande e pode ser que estes ativos sejam relevantes para uma empresa entrante do mercado, por exemplo”.
7 – DEPOIS DA FORD, OUTRAS FABRICANTES DE VEÍCULOS VÃO DEIXAR DE PRODUZIR NO BRASIL?
Padovan entende que as condições para operar um negócio automotivo no Brasil são bastante desafiadoras. “O ambiente competitivo é perverso”, diz. Trujillo, da IHS Markit, avalia que alguns ajustes tendem a acontecer.
Recentemente a Mercedes-Benz anunciou que, pela segunda vez, deixa de fazer carros no Brasil. A Audi também está com a produção suspensa e Trujillo lembra que outras marcas premium, como BMW e Jaguar Land Rover, vão precisar encontrar fórmulas para sustentar suas operações locais diante do baixo volume demandado no Brasil.
“Será um ajuste, não uma debandada. Em alguns casos, não veremos a saída das marcas, mas certamente algumas empresas podem decidir enxugar operações, reduzindo o número de fábricas”, diz o consultor da IHS Markit.
Ayres aponta que empresas precisam investir e fazer ajustes na direção certa, ganhando espaço nas exportações, por exemplo. Ele reforça, no entanto, que no longo prazo o País segue importante para a indústria automotiva global:
“Este movimento da Ford não invalida em nada a nossa relevância como um grande mercado, um País com muito capital humano na área, que é polo de inovação tecnológica”, aponta Ayres.
Para ele, uma certeza é de que o dinamismo do segmento vai aumentar, com a diminuição de algumas marcas, mas com a chegada de outras – um cenário de novas pressões, mas também de novas oportunidades.