Renault apresentou carros-conceito para mostrar a nova cara de cada marca e empresa do grupo dentro do plano estratégico “Renaulution”
O Grupo Renault apresentou seu plano estratégico “Renaulution” até 2025, em que usa verniz “revolucionário” para recobrir a bem conhecida (e sempre atual) estratégia de cortar custos – leia-se fechar fábricas, demitir pessoas e reduzir investimentos – e focar em negócios e veículos mais lucrativos para recuperar rentabilidade. (Não é mera coincidência a semelhança com o que outras montadoras estão fazendo, incluindo a Ford com o anúncio esta semana do fechamento de suas plantas brasileiras.)
O programa divulgado na quinta-feira, 14, pelo CEO Luca de Meo não é exatamente uma novidade, porque apenas aprofunda e detalha o planejamento apresentado em maio passado (leia aqui), poucas semanas antes de ele assumir o posto na companhia, quando as duas fabricantes da Aliança Renault-Nissan tomaram o rumo de trocar volumes por rentabilidade, para estancar prejuízos acumulados ao longo dos últimos dois anos e significativamente ampliados pela pandemia de coronavírus em 2020 – apenas no primeiro semestre do ano passado o Grupo Renault apurou prejuízo líquido de € 1,8 bilhão.
Com o avanço das perdas, o “Renaulution” também avançou nas ambições de contê-las, o que foi aprovado pelo conselho de administração do grupo. O plano tem três fases, a primeira denominada “Ressurreição” que se estende até 2023 com foco em recuperar a geração de caixa e margens; depois vem a “Renovação” até 2025 com o lançamento de veículos de maior valor agregado para garantir a lucratividade; e a partir 2025 em diante o foco se voltará aos negócios de mobilidade, tecnologia e energia.
“O Renaulution tem o objetivo de mover toda a empresa dos volumes para o valor. Mais do que uma recuperação, trata-se de uma profunda transformação do nosso modelo de negócios. Vamos passar de uma empresa de carros que trabalha com tecnologia para uma empresa de tecnologia que trabalha com carros”, resume Luca de Meo.
Nessa rota, o CEO afirma que o primeiro passo é a racionalização das operações que entra em curso agora, ajustando o tamanho para baixo quando necessário e realocando recursos para produtos e tecnologias de maior potencial. Com esse aumento na eficiência, segundo De Meo, será possível desenvolver a “futura gama de produtos competitiva, eletrificada e recheada de tecnologias”. A partir do meio da década, o executivo afirma que o processo de transformação da empresa culminará em obter até 2030 pelo menos 20% das receitas com serviços, tratamento de dados e comercialização de energia.
REESTRUTURAÇÃO NA PRÁTICA
O Grupo Renault afirma que não vai mais se basear em participações de mercado e vendas para medir seu desempenho, mas na lucratividade, geração de caixa e eficiência dos investimentos. Sem preocupação em alcançar grandes volumes, a capacidade global de produção será reduzida dos atuais 4 milhões de unidades/ano para 3,1 milhões em 2025, como já havia sido anunciado em maio passado. Isso coloca na linha de tiro diversas operações pelo mundo. A empresa não detalhou ainda quais fábricas pretende desativar nem quantos funcionários serão demitidos – em maio informou que o corte envolve fechamento ou redução de atividades em seis de suas 14 plantas de veículos e componentes na França, onde vão ocorrer um terço das demissões.
Há poucas menções sobre as operações internacionais da companhia e o Brasil especificamente não aparece em nenhuma delas. O comunicado oficial apenas informa que o grupo irá “pilotar sua presença internacional para negócios com altas margens: principalmente na América Latina, Índia e Coreia, alavancando a competitividade na Espanha, Marrocos, Romênia, Turquia e criando mais sinergias com a Rússia”.
A reorganização industrial do Grupo Renault envolve ainda a diminuição no número de plataformas das atuais seis para apenas três e de motores de oito para quatro famílias. Dentro dessas possibilidades, o plano é fazer 24 lançamentos até 2025 – metade deles nos segmentos C/D de modelos médios e grandes, em uma ofensiva centrada em produtos de maior valor agregado –, sendo pelo menos 10 veículos 100% elétricos, mantendo a trajetória dentro do compromisso assumido de ter uma pegada de carbono zero na Europa até 2050.
Foram definidos novos objetivos financeiros que têm como meta central, no horizonte de três anos, reduzir em 30% o ponto de equilíbrio financeiro da companhia. Os custos fixos terão de cair para € 2,5 bilhões/ano até 2023 e chegar a € 3 bilhões em 2025. Por meio de ganhos de produtividade e “reinvenção da eficiência dos fornecedores” (o que pode ser entendido como redução preços de componentes), o grupo pretende cortar seus custos variáveis em € 600 por carro produzido ao longo dos próximos três anos.
Haverá também redução de investimentos em capital fixo (máquinas, fábricas etc.) e pesquisa e desenvolvimento, com o objetivo baixar esses aportes do atual nível de 10% para 8% do faturamento global da empresa até 2025.
Até 2023 a meta é aumentar a margem operacional de lucro para 3% sobre o faturamento, subindo para 5% até 2025. Nesses mesmo intervalos, o fluxo de caixa livre operacional anual deverá somar € 3 bilhões nos próximos três anos e dobrar para € 6 bilhões até o meio da década.
QUATRO DIVISÕES, RENAULT NA LIDERANÇA TECNOLÓGICA E ELÉTRICA
O Grupo seguirá dividido em quatro grandes unidades que foram reorganizadas em setembro passado (leia aqui): Renault, Dacia, Alpine e a divisão de novos negócios agora batizada Mobilize, que vai cuidar das operações de aluguel/compartilhamento/assinatura, reciclagem e produtos financeiros.
A Renault seguirá sendo a principal marca e de maior volume do grupo, com a adoção da estratégia denominada “La nouvelle Vague” (nova onda) que tem o objetivo de focar no desenvolvimento de veículos maiores, eletrificados e mais lucrativos, com a ambição que os segmentos superiores totalizem 45% das vendas até o fim de 2025. A intenção nos próximos cinco anos é lançar 14 modelos, sendo sete nos segmentos C/D, sete puramente elétricos (com margens de contribuição maiores do que os carros equipados com motores a combustão) e todos terão uma versão híbrida. O protótipo Renault 5 foi apresentado para representar a “nova onda” da marca: releitura de um clássico em tempos de veículos elétricos
A estratégia da a marca é aumentar o seu cardápio de veículos, com ofensiva maior no segmento C para fortalecer suas posições na Europa e foco em segmentos lucrativos em mercados-chave, como América Latina e Rússia.
Além de produtos, De Meo também indica que a Renault também investirá na oferta de serviços de mobilidade, tecnologia e energia, tornando-se um desenvolvedor de programas (softers), tratamento de dados (big data) e cibersegurança, contando com mil engenheiros dedicados na “Software Factory”. Em 2022, a Renault vai lançar o My Link, um novo módulo de infoentretenimento com o sistema Google integrado – será a primeira montadora a levar os serviços do Google aos veículos produzidos em série.
A marca pretende lutar para seguir na liderança de vendas de veículos elétricos na Europa, onde há vendeu mais de 300 mil BEVs (Battery Electric Vehicles) nos últimos 10 anos e atualmente sofre forte concorrência de quase todos os fabricantes que estão migrando para a eletrificação por força da legislação europeia.
Em busca de oferecer o que chama de “portfólio mais verde da Europa”, a Renault vai instalar no norte da França seu “Electro Pole”, o maior polo de produção de modelos elétricos do grupo no mundo. Adicionalmente, vai apostar na fabricação de células de hidrogênio como fonte de eletricidade por meio de associação com uma empresa ainda não revelada.
A fábrica de Flins na França será convertida para operações de economia circular. A chamada “Re-Factory” irá see dedicar à reciclagem de baterias, serviços de fornecimento de energia e conversão de veículos a diesel para o biogás ou eletricidade. O objetivo é recondicionar 100 mil carros/ano.
A DACIA “GOURMETIZADA”, AGORA UNIDA COM A LADA
A Dacia, marca de origem romena comprada pelo Grupo Renault em 2004, seguirá com sua proposta de oferecer carros mais baratos, mas também vai explorar com dois novos modelos o segmento C, de veículos médios de maior valor. Por afinidade, a empresa decidiu aumentar as sinergias e compartilhamento de plataformas e componentes entre a Dacia e a russa Lada, também controlada pela Renault desde a década passada.
“Com a criação da unidade de negócios Dacia-Lada, vamos explorar ao máximo a plataforma modular CMF-B, aumentar nossa eficiência e aprimorar a qualidade, competitividade e atratividade dos nossos produtos. Com isso, temos todas as cartas na mão para subir aos degraus mais altos”, explicou Denis Le Vot, CEO das marcas Dacia e Lada, durante a apresentação do plano Renaulution.
O modelo de negócio da Dacia-Lada continuará sendo orientado pelo baixo custo, com ganhos adicionais nesse sentido. O número de plataformas usadas por carros das duas marcas vai cair das atuais quatro para apenas uma (a CMF-B da Aliança Renault-Nissan), e as 18 carrocerias serão reduzidas para 11, aumentando a média de produção de 300 mil unidades por plataforma para 1,1 milhão. Veículos baseados na CMF-B poderão ser equipados com motores que usam combustíveis alternativos como gás ou powertrain híbridos elétricos, para garantir a conformidade com a evolução das regulamentações de emissões. O SUV conceitual Dacia Bigster: “gourmetização” da marca romena para entrar em segmento de maior valor agregado
Está previsto o lançamento de sete novos modelos Dacia/Lada até 2025, sendo dois no segmento C, onde a marca ainda não atua e apresentou uma primeira visão com a apresentação, na quarta-feira, do SUV conceitual Dacia Bigster.
Integram a nova safra da Dacia os novos Sandero e Logan que serão lançados este ano na Europa – e são cotados para serem também fabricados no Brasil, onde o grupo adaptou os modelos da romena para a marca Renault. Os dois compactos chegam ao mercado europeu com a primeira versão 100% elétrica da marca, o Spring (um Kwid), que será o compacto urbano 100% elétrico mais acessível da região. Outros três novos Dacia serão lançados até 2025.
MOBILIZE DESENVOLVERÁ CARROS PARA APLICATIVOS
Divisão de mobilidade recém-criada pelo Grupo Renault, a Mobilize tem a meta de desenvolver novas oportunidades de ganhos com a criação de serviços de fornecimento de energia, mobilidade e tratamento de dados – inclusive para outras marcas e parceiros externos. A estimativa é que a unidade de negócios deverá gerar mais de 20% das receitas da companhia até 2030. Protótipos dos veículos elétricos desenvolvidos para a Mobilize: da esquerda para a direita, dois para compartilhamento, um para aplicativos de transporte e um para entregas urbanas
O grupo vai desenvolver quatro veículos sob medida para Mobilize, todos elétricos, sendo dois para serviços de compartilhamento (carsharing), um para empresas de transporte por aplicativo e um para entregas urbanas de curta distância.
A Mobilize também ficará responsável pelo desenvolvimento e oferta de soluções de financiamento (assinatura, leasing, locação por tempo de uso), além de projetar uma plataforma dedicada de dados, serviços e software e vai administrar os nvos serviços de manutenção e reciclagem da Re-Factory de Flins.
ALPINE ACOMODARÁ ESPORTIVIDADE COM LUCRO
A Alpine está sendo reorganizada para ser mais do que uma marca de carros esportivos. É a divisão que vai reunir todas as unidades do grupo dedicadas ao desenvolvimento de modelos de alto desempenho e automobilismo, incluindo a própria Alpine Cars, a Renault Sport Cars e a Renault Sport Racing – que envolve a participação da fabricante na Formula 1. A meta é quee a unidade de negócios se torne lucrativa em 2025, incluindo investimentos em automobilismo esportivo.
Segundo o Grupo Renault, a Alpine terá uma nova organização totalmente independente, dedicada ao desenvolvimento de carros esportivos exclusivos e inovadores – inclusive elétricos –, com uso das plataformas CMF-B & CMF-EV da Aliança. A marca pretende aumentar sua presença internacional, desenvolver rede própria de concessionárias e oferecer serviços financeiros customizados do RCI Bank.
A Alpine já firmou um acordo com a Lotus para o desenvolvimento da próxima geração de carros esportivos elétricos.