Quais são os impactos na relação entre marcas chinesas e concessionárias

Desafios na entrada de uma montadora novata no país mostram que as práticas vão muito além de um simples choque de culturas

Vitor Matsubara

Vitor Matsubara

Desafios na entrada de uma montadora novata no país mostram que as práticas vão muito além de um simples choque de culturas

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Os carros elétricos despertam a curiosidade de muita gente no Brasil. Esse fenômeno se intensificou nos últimos anos com a estreia das montadoras chinesas por aqui.

Além de oferecer produtos modernos e bem equipados, a prática de preços competitivos fizeram algumas marcas chinesas ganharem terreno rapidamente.


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Só que ainda existe uma desconfiança em torno da estabilidade das operações brasileiras, especialmente na estrutura de pós-venda. O que inclui o fortalecimento da rede de concessionárias e a liquidez dos veículos no mercado de carros usados.

Durante o Automotive Business Experience – #ABX24, os participantes do painel “O impacto das marcas chinesas no mercado de grupos de concessionários”, apresentado na trilha Dealers, falaram sobre os desafios de estabelecer uma rede do zero. Ainda mais no caso de uma nova entrante vinda da China – no caso, a Omoda Jaecoo

Vantagens e desafios de montar uma rede

Felipe Amaral, head de desenvolvimento de rede, vendas e operação da Omoda Jaecoo, é um dos responsáveis por iniciar as operações da montadora que pertence à Chery, mas que, no Brasil, atua de forma independente – ou seja, sem relação alguma com o grupo Caoa e a marca Caoa Chery.

O executivo, que tem passagens por General Motors e FCA, afirma que o fato de a Omoda ser uma nova entrante pode jogar a favor da empresa.

“Enquanto uma montadora já estabelecida no país segue todo um processo que envolve associações e relacionamentos, uma (marca) entrante não tem esse legado para carregar. Então ela consegue selecionar os concessionários de forma um pouco mais técnica”, conta.

Felipe ressalta que os chineses aprenderam a lição com os fracassos do passado e que muitas empresas buscam profissionais com conhecimento do mercado local antes de se aventurarem em um país desconhecido.

“Acho que uma montadora chinesa como a Omoda dá muita liberdade criativa para entender o mercado local, até porque, no passado, muitos deles cometeram o erro de não pegar alguém que entendesse o mercado local”.

Problemas para os concessionários no Brasil

Só que nem tudo são flores. O consultor automotivo Milad Kalume Neto, que acumula décadas de experiência no setor, acredita que a filosofia de trabalho dos chineses pode causar problemas para os concessionários tradicionais.

“O chinês trabalha com volume alto (de estoque) e margens pequenas, o que é bem divergente do que estamos acostumados no mercado brasileiro. Paralelo a isso, vemos que os chineses dão muita ênfase ao produto nos últimos anos, pensando em qualidade e volume antes de montar uma rede de concessionárias mais estruturada. Então acho que os concessionários tradicionais vão ter dificuldades nessa mudança de paradigma do modelo de negócio”, pondera.

“É nesse contexto que acho que o modelo tradicional de negócios vai sofrer um pouco com esse novo modelo, que não é inovador, mas que vai causar mudanças na forma como o produto será trabalhado nos diversos canais. Vejo de forma bem enfática que os concessionários vão ter de se adaptar a esse novo modelo, inclusive os grupos que já contam com diversas bandeiras”, completa Milad.

Questionado sobre o que pode acontecer com as revendas da BYD diante dos altos estoques mantidos pela marca (que trouxe mais de 5 mil carros de uma vez só para cá), Milad foi categórico.

“Vai haver desconto, não tem como trabalhar com o preço cheio em um produto antigo. Se você tem carro em estoque é preciso dar desconto, e isso independe da marca ser chinesa, europeia ou americana. Primeiro porque é preciso renovar o estoque e depois porque novos produtos mais modernos vão acabar competindo com seu próprio produto. Então, de forma bem objetiva, vai ter redução nos preços”.

Como confiar em uma marca novata?

A desconfiança em torno das novas marcas também impede que muitos consumidores comprem um carro chinês. Para Milad, essa postura cautelosa tem razão de existir.

“O brasileiro precisa tomar muito cuidado com o oportunismo porque já vimos muita montadora (não necessariamente chinesa) querendo usar o tamanho do nosso mercado para vender carro e aí deixou o consumidor na mão sem peças e até abandonou o mercado de forma repentina deixando o cliente sem nenhum tipo de respaldo”.

Para quem é dono de concessionária e deseja se candidatar à representação de uma marca entrante, o consultor automotivo dá uma dica preciosa.

“Então quem quer investir em uma marca nova é preciso se direcionar às montadoras que se apresentam de uma forma séria, analisando o que ela já fez em outros países e quais são os planos para se consolidar aqui”.

Atraso no início das operações da Omoda

Foi no fim de 2023 que a Omoda Jaecoo anunciou sua chegada ao Brasil, inicialmente prevista para o ano seguinte. Entretanto, a marca acabou por atrasar seu cronograma e a nova data de estreia está marcada para 2025.

Felipe afirma que a demora se deu principalmente por dois fatores importantes. O primeiro deles está relacionado a problemas logísticos.

“Estávamos na China em abril e descobrimos que a chegada deles atrasaria por conta da falta de contêineres e navios para enviar os carros para o Brasil”.

Diante desse cenário, a Omoda consultou sua futura rede para definir a melhor saída: lançar apenas o carro elétrico ou atrasar um pouco a estreia para trazer todos os produtos ao mesmo tempo. Felipe disse que a escolha de esperar foi por unanimidade.

Além disso, a marca esbarrou na burocracia do processo de homologação de seus carros híbridos plug-in.

“Quando você tem apenas carros elétricos para vender, o processo de homologação é muito mais fácil porque não existe a necessidade de passar pelos testes de emissões. Nós sabíamos que os testes com os carros híbridos seriam mais demorados, mas tínhamos a expectativa de antecipar esse cronograma pela chegada dos carros no Brasil”, conta.

“Realizamos uma reunião em junho na qual as concessionárias votaram e a decisão foi quase unânime por aguardar a chegada de toda a linha. Foi por isso que decidimos replanejar nosso calendário e fazer tudo mais para frente”, completa.