Presidente da FCA comenta os resultados da pesquisa Liderança do Setor Automotivo e defende que companhias tenham equipes mais diversas
“É preciso dar espaço para que as pessoas trabalhem, se expressem e proponham coisas”. É assim que Antonio Filosa, presidente da FCA para a América Latina, resume o que entende ser uma dinâmica eficiente para as organizações, capaz de gerar resultados imediatos e também inovações futuras. Segundo ele, o maior ativo das empresas automotivas instaladas no Brasil é justamente o capital humano local.
Apesar disso, ele entende que há um erro nas organizações automotivas, que ainda estão distantes de espelhar a diversidade encontrada na população brasileira – que é mais de 50% feminina e negra. “É obrigação do setor mudar”, enfatiza
Esta entrevista é parte do especial Liderança do Setor Automotivo, que traz as principais conclusões da pesquisa e os comentários de grandes profissionais do segmento.
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Ainda no fim de 2019, o executivo foi um dos convidados a comentar em primeira-mão os resultados da pesquisa Liderança do Setor Automotivo, feita por AB em parceria com a Mandalah e com a MHD Consultoria. Apesar da intensa mudança do cenário para a indústria e a sociedade desde então, a discussão sobre os aspectos mais humanos de comandar uma organização ganha ainda mais relevância diante da crise atual, que testa as decisões tomadas pelas pessoas em posição de gestão.
O estudo é resultado de entrevistas com 673 profissionais que atuam em empresas automotivas. Na entrevista a seguir, Filosa fala sobre os desafios da liderança, da necessidade de permanecer próximo das pessoas e aponta, ainda, que a motivação que encontra no trabalho vai além da busca por números e resultados financeiros.
Segundo a pesquisa Liderança do Setor Automotivo, 93% das pessoas em posição de alta gestão nas empresas do segmento são homens e 87% são brancos. A maioria é formada em engenharia. Que leitura você faz deste perfil tão homogêneo?
Este cenário mostra um erro porque, em uma sociedade tão diversa, multiétnica, multicultural, não deveríamos ter um setor tão monocromático. Precisamos espelhar a sociedade que queremos servir. É uma responsabilidade ética, mas também uma questão de mercado: se mais de 50% dos consumidores são mulheres e pessoas negras, porque não temos esta representação nas lideranças das empresas?
Estamos inseridos em um contexto de alta competitividade que exige que sejamos meritocráticos, premiando quem tem performance superior. Por isso, precisamos garantir paridade de oportunidades.
O setor tem obrigação de mudar – e aqui falo tanto de montadoras, quanto de fornecedores e concessionárias, todos os elos da cadeia de valor.
O Brasil está em busca de abertura comercial. Ainda assim, as lideranças avaliam que a indústria automotiva brasileira só será polo de desenvolvimentos locais, sem protagonismo na oferta de soluções globais. Qual é a sua visão sobre o tema?
Acho que esta visão precisa ser mais ambiciosa. O Brasil tem milhões de consumidores que estão inseridos em um contexto global. Tirando pequenas diferenças, o cliente italiano, o americano e o chinês querem coisas parecidas, como serviços conectados e redução do impacto ambiental.
Quanto mais localizamos a produção, mais trazemos coisas interessantes: fornecedores novos, instalação de fábricas, geração de empregos, tecnologia e desenvolvimento. Nossa indústria investe muito em pesquisa e desenvolvimento e, se temos soluções alinhadas globalmente, mas produzidas localmente, ganhamos força para competir com todo mundo lá fora.
E qual é a competência local? O que a indústria automotiva brasileira tem a oferecer para o mundo?
Uma coisa que o Brasil não pode invejar de ninguém é o capital humano. Os brasileiros e as brasileiras são os trabalhadores com capacidades mais reconhecidas do mundo.
O nível de absenteísmo das nossas fábricas locais ficam abaixo de 2%, o que significa que a dedicação e a garra dos nossos colegas no Brasil é quatro vezes maior do que em todo mundo. Temos geração espontânea de projetos entre os nossos 20 mil colegas na América Latina que fica entre as maiores da FCA globalmente.
Então, além da dedicação do trabalhador, também lideramos em proatividade, na iniciativa para propor projetos e melhorias. Precisamos oferecer soluções para o mercado global e tecnologias com base no grande potencial do capital humano brasileiro.
Um dos recortes da pesquisa mostra que a liderança automotiva enfrenta dificuldade para equilibrar a entrega de resultados no curto prazo e a construção de soluções para o longo prazo. Como manter a harmonia na condução destas duas frentes?
Nós temos admiração pelas startups, empresas que nasceram pequenas e se tornaram globais. E qual é a diferença entre elas e as grandes organizações, como nós? Não temos grande assimetria nas pessoas, já que a distribuição de talentos é muito parecida. A verdadeira questão é que dentro de organizações tradicionais esses talentos ficam presos no rigor dos processos. Para equilibrar o curto e o longo prazo precisamos criar oportunidades para que as pessoas se expressem e dialogarem com a liderança.
Uma vez que você faz o trabalho de recrutar bem, fomentar a diversidade e a inclusão, é preciso dar espaço para que as pessoas trabalhem, se expressem e proponham coisas. É isso que temos feito na FCA.
As pessoas são a chave para atravessar o momento de transformação?
Temos falado muito sobre a transformação atual, mas somos resultado de uma longa história de transformações. Claro que a onda digital alavanca determinados investimentos e mudanças exponenciais. Mas de qualquer forma, somos transformação sempre.
Dos entrevistados para a pesquisa, 60% se dizem moderadamente preparados para entregar bons resultados no setor, enquanto 37% apontam estar altamente preparados. Como permanecer relevante profissionalmente diante de tantas mudanças de contexto?
Tenho o privilégio de liderar uma organização que tem 20 mil pessoas na América Latina e 200 mil globalmente. O primeiro que preciso fazer para entregar bons resultados é estar próximo destas equipes. É aí que está o enorme potencial de geração de ideias e projetos.
Precisamos trabalhar para anular hierarquias e manter a proximidade porque isso me permite ficar antenado e captar mudanças.
Tenho certeza que, em muitos aspectos, outras pessoas da empresa sabem mais do que eu e podem me inspirar. Precisamos promover integração porque as grandes empresas estão acostumadas a trabalhar em áreas e, com uma comunicação transversal, você gera trocas e novas possibilidades. Por fim, outra necessidade é estarmos abertos a parcerias externas, ter intercâmbio de ideias com outras organizações, fornecedores, competidores e entidades.
A maioria dos entrevistados disse que empatia é a principal característica de uma boa liderança, mas quase metade dos respondentes avaliam que os gestores das empresas em que trabalham não têm esta qualidade. O setor automotivo tem um desafio cultural? Como criar esta proximidade das pessoas que você mencionou?
Ser empático é necessário a um líder, mas concordo que é algo que não está completamente presente no setor automotivo. Mudar isso será resultado de um recrutamento de profissionais bem feito, mas também de um ambiente organizacional que permita isso. Uma coisa que mata qualquer evolução neste sentido é a cultura da culpa.
Por exemplo, se temos um problema dentro da empresa, existe a possibilidade do profissional dizer que não foi culpa dele e se isentar. Outra possibilidade é reunir um grupo de pessoas serenamente e trabalhar coletivamente nas possíveis soluções, tirar o foco da busca por culpados. O comportamento das pessoas em momentos como este depende muito da cultura corporativa.
Na sua opinião, quais são as características necessárias a uma boa liderança?
Empatia, capacidade de integrar pessoas e ideias, respeito e abertura são características humanas que um líder deve ter. Através disso e dos resultados que ele é capaz de entregar será possível construir uma boa reputação.
O conceito de Candura Radical aponta que a boa liderança mantém o equilíbrio entre desafiar as pessoas da equipe e, ao mesmo tempo, ser empático e importar-se pessoalmente com cada colaborador. Como você equilibra estas duas frentes?
Uma liderança não faz nada sem o próprio time, seja ele de 20 mil ou de 6 pessoas, então é fundamental estar próximo e conseguir integrar este grupo. Agora, o balanceamento entre ser paternalista demais ou desafiador demais é um exercício diário que começa com um forte alinhamento estratégico sobre os resultados que precisam ser entregues.
É fundamental construir relações com as pessoas e, ao mesmo tempo, direcioná-las para o objetivo.
Dentro da FCA fazemos muito este alinhamento. Uma vez que temos um acordo entre as lideranças e suas equipes, é quase natural que todos corram na mesma direção e alcancem resultados.
Vemos um movimento positivo das empresas automotivas em busca de um propósito. Nesta edição da pesquisa, 36% dos entrevistados disseram que a companhia em que trabalham tem um propósito definido, claro e capaz de orientar as estratégias. Qual é a sua visão sobre este assunto?
Somos uma empresa de várias marcas e cada uma tem um propósito muito claro. Como organização, a FCA tem alguns propósitos claros e prioridades estratégicas, como a inclusão de pessoas para refletir toda a diversidade que existe na sociedade. Ninguém é perfeito, mas cada vez mais, através de alinhamento e comunicação, isso começa a se enraizar na cultura da empresa. Hoje, globalmente, a inclusão já é um propósito dos nossos acionistas e, portanto uma transformação que precisamos fazer.
Pessoalmente você se sente motivado no trabalho por algo que vai além da entrega de resultados?
Sim, por várias coisas. O que mais me motiva são as pessoas, gosto muito de estar perto delas e também da cultura da empresa. Estou na FCA há 20 anos e, sem querer desmerecer qualquer organização, não trocaria nenhum dia desse período por uma experiência em outra empresa. Achei o meu lugar aqui e a principal motivação é o contato que tenho com as pessoas. Sou muito orgulhoso do que construímos como time.