Reportagem da agência Automotive News ouviu especialistas que consideram as previsões atuais muito otimistas
A crise dos semicondutores, que está afetando diversos setores da indústria em nível global, pode se estender por vários anos, ao contrário do que se imaginava há algum tempo, de acordo com reportagem publicada pela agência americana Automotive News. Segundo especialistas ouvidos pela publicação, a ideia de que a escassez mundial de microchips seria resolvida durante o segundo semestre deste ano está começando a mudar. E para pior.
O motivo, de acordo com a reportagem, são os custos e a complexidade da cadeia de suprimentos da indústria de semicondutores, que dificultam ações que permitam “cortar caminho” na retomada da normalidade. Assim, a alternativa imaginada é que as montadoras encontrem novos fornecedores para os componentes eletrônicos até que os produtores atuais consigam se adaptar à nova demanda (processo que deve demorar anos).
“Trabalho nesse setor há 31 anos e esta é uma situação que nunca experimentei antes”, afirmou Peter Schiefer, presidente da divisão automotiva da Infineon Technologies, uma das principais produtoras mundiais de semicondutores para automóveis. “Esse é um desafio que não será superado nas próximas semanas”, completou, lembrando que é preciso muito tempo para produzir os chips – desde a obtenção da matéria-prima até chegar ao produto final –, sem esquecer o prazo adicional para erguer novas linhas de produção.
Já James Norris, analista da LMC Automotive prevê uma situação ainda pior. “As informações mais recentes indicam que as interrupções na produção serão mais sérias do que se imaginava inicialmente”, disse. “A escassez de semicondutores pode se arrastar até o fim deste ano e minar a capacidade das fabricantes de veículos recuperarem os volumes perdidos no segundo semestre”, alertou.
PREJUÍZO EM ESCALA GLOBAL
A previsão sombria é reforçada por Ondrej Burkacky, líder da área global de semicondutores da consultoria McKinsey. “A produção mundial pode perder de 2 milhões a 3 milhões de unidades neste ano”, declarou. A AutoForecast Solutions diz que a América do Norte pode deixar de produzir quase 720 mil veículos em 2021 e LMC Automotive acredita que a falta de microchips pode resultar em 330 mil automóveis que deixarão de ser fabricados na Europa, com as maiores reduções para Daimler, Ford, Renault e Grupo Volkswagen.
Como se não bastasse, existe outro empecilho para a volta à normalidade na entrega dos microchips, que é a sazonalidade na demanda desses componentes, já que no segundo semestre eventos como a Black Friday e o Dia dos Solteiros (na China) são datas nas quais o consumo de eletrônicos aumenta consideravelmente, exigindo mais agilidade das indústrias.
Semicondutores estão presentes em todos os gadgets tecnológicos e as aplicações em automóveis correspondem a apenas 10% aproximadamente do mercado global – cujo valor estimado é de US$ 530 bilhões, segundo a Automotive News –, só que, mesmo assim, é praticamente impossível encontrar um automóvel moderno atual que não dependa de microchips, desde o gerenciamento do motor até os sistemas de entretenimento, com tendência de crescimento constante nos próximos anos.
Segundo Asif Anwar, diretor da consultoria Strategy Analytics (especializada em semicondutores automotivos), o mercado de microchips para automóveis deve somar US$ 66 bilhões em 2027 – ou quase o dobro do registrado no ano passado.
Mas os microchips são essenciais principalmente nas chamadas unidades de microcontroladores, ou MCUs. Esses circuitos integrados são utilizados em praticamente todas as partes de um carro – conjunto motriz (gerenciamento do motor e trocas de marcha do câmbio automático), controles de chassi (suspensão), segurança (freios ABS e controle de estabilidade) e programas de assistência ao motorista. “Não me recordo de sistemas que não utilizem um MCU”, disse Phil Amsrud, analista da IHS Markit. Essa consultoria, aliás, diz que o Audi Q7 depende de 38 MCUs fornecidos por sete empresas para rodar.
MUDANÇA DE ATITUDE
De acordo com a reportagem da Automotive News, enquanto uma nova solução não é encontrada, alguns analistas estão propondo que as montadoras mudem os seus métodos de compra, dissociando o fornecimento de microchips de outros componentes, assim como providenciar um estoque reserva e se comprometerem a continuar encomendando os componentes, mesmo nos períodos nos quais houver queda nas vendas de automóveis no futuro. Isso garantiria previsibilidade e mais segurança às fabricantes de semicondutores.
Ondrej Burkacky diz que os integrantes da cadeia produtiva do setor automotivo devem repensar a forma como compram semicondutores. “Eles não estão competindo apenas entre eles, mas também com fabricantes de produtos eletrônicos, computadores e telefones celulares”, observou.