Gastón Diaz Perez foca nos desafios mais atuais da indústria automotiva, como a descarbonização e a conectividade, e fala de como a operação brasileira pretende acelerar resultados nos próximos anos
Gastón Diaz Perez assumiu a presidência da Bosch América Latina há apenas sete meses, em janeiro de 2022. Ele foi alçado ao cargo com o desafio de manter os bons resultados que a empresa obteve em 2021 e preservar o ritmo de crescimento e diversificação que a caracterizam. Na entrevista a seguir, exclusiva a Automotive Business, ele trata de temas atuais na indústria automobilística brasileira, como conectividade, descarbonização e inovação, e fala das estratégias da companhia para o crescimento nos próximos anos.
– Assista à entrevista com o presidente da Bosch
O executivo entende que nos próximos anos as áreas de crescimento irão se concentrar no que chama de SPACE: acrônimo para Software, Personalizados, Autônomos, Conectividade e Eletrificação. Um dos pontos de destaque será o esforço para adequar os rumos dos negócios e as transformações que os próximos anos reservam: enquanto hoje cerca de 80% do faturamento de um fornecedor de eletroeletrônica na área automotiva provêm da venda de peças e 20% de software e desenvolvimento, essa relação deve mudar radicalmente em dez anos, quando peças e softwares participarão da receita em partes iguais.
No ano fiscal de 2021, as vendas totais da companhia na América Latina tiveram um resultado altamente positivo, crescendo 35% para R$ 9,2 bilhões, uma resposta à visão de longo prazo aliada ao desenvolvimento de soluções locais para diferentes setores de negócios.
“Mesmo com todas as incertezas que enfrentamos ao longo de 2021 com a pandemia, como a falta de matéria-prima, aumento nos custos de produção e até mesmo as adversidades enfrentadas nos campos social, econômico e político, conseguimos crescer vertiginosamente em todas as nossas áreas de atuação e países onde estamos presentes. Este é, com certeza, o melhor resultado do Grupo Bosch na região nos últimos anos”, afirma Perez.
Segundo Perez, a Bosch está amplamente comprometida com a eletromobilidade, com soluções para híbridos, elétricos e células de combustível, embora continue atuando no aprimoramento das tecnologias a combustão, como comenta nesta entrevista.
Quais serão as tecnologias que se destacarão nos próximos anos tendo em vista o desenvolvimento, construção e uso do automóvel?
Entendemos que nos próximos anos as áreas de crescimento irão se concentrar no que chamamos de SPACE: Software, Personalizados, Autônomos, Conectividade e Eletrificação. Quando olhamos para o mercado nacional, dentro desse conceito, há muito ainda para seguir, mas já há iniciativas voltadas para atender as demandas locais como, por exemplo, veículo híbrido-flex, que é uma solução competitiva para o mercado brasileiro graças ao etanol ser um combustível limpo e totalmente renovável.
Há também o caminhão 100% elétrico produzido no Brasil, o VW e-Delivery, projeto em que a Bosch atuou no desenvolvimento da unidade de controle veicular, nos pacotes de software e na calibração do powertrain.
Além disso, já estão disponíveis no mercado diversos sistemas de segurança ativa e assistência ao condutor que promovem mais segurança e conforto ao motorista, como o Programa Eletrônico de Estabilidade (ESP), freios ABS para motocicletas, Frenagem Automática de Emergência (AEB), os sistemas de Aviso de Saída de Faixa (LDW) e Detecção de Ponto Cego (BSD), que ajudam a prevenir acidentes nas áreas laterais dos veículos.
Continuamos acreditando no mercado e mantendo o nosso pioneirismo ao nos preparamos para desenvolver localmente sistemas ADAS, como o AEB e o LDW, que hoje estão presentes em cerca de 25% dos veículos novos e que nos próximos anos devem se tornar mandatórios.
Outra área em que estamos presentes é na venda de serviços de conectividade. Aqui oferecemos, por meio da nuvem, toda a nossa expertise em powertrain para diferentes clientes. Através de uma plataforma eletrônica que conecta o carro por meio da rede de celulares é possível enviar dados em tempo real – durante a fase de engenharia/desenvolvimento – do funcionamento do motor e de todos os agregados ao veículo para um determinado servidor. Nesse servidor, os engenheiros da Bosch prepararam algoritmos, tratando e analisando os dados recebidos e disponibilizando-os para o cliente. Esse processo se traduz em mais agilidade no projeto. Na área de segurança cibernética, a Bosch fornece o módulo de gateway que protege carro contra invasão digital.
Toda essa evolução tecnológica cada vez mais irá requerer software, tanto para o funcionamento e calibração dos módulos (ECUs), como para entretenimento e serviços de mobilidade. Atualmente, cerca de 80% do faturamento de um fornecedor eletroeletrônico na área automotiva vem da venda de peças e 20% de software/desenvolvimento. Em dez anos, as peças e softwares terão aproximadamente uma proporção de 50% cada.
O governo lançou as bases do Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária (Renovar), que representa um marco histórico para a renovação de frotas e a inspeção veicular. A Bosch aposta nesse programa e tem alguma contribuição a fazer?
Certamente, este é um programa importante, que trará impactos positivos para a sociedade, e a Bosch apoia iniciativas que têm o objetivo de melhorar a questão ambiental, a segurança veicular e a eficiência energética, já que há o potencial de tirar de circulação aproximadamente 16 mil veículos pesados com mais de 30 anos. Sem dúvida, estes pilares estão alinhados com o foco da empresa que visa uma mobilidade urbana cada vez mais eficiente, segura, autônoma, conectada e eletrificada.
A Bosch é uma líder global no fornecimento de tecnologias e a forma que a empresa tem para contribuir é por meio do desenvolvimento de soluções que tornem os caminhões cada vez mais eficientes, limpos e seguros. No aftermarket, disponibilizamos uma linha completa de produtos para manutenção da frota de veículos diesel sempre no estado da arte e mantemos a evolução tecnológica para os motores novos, em linha com o Euro 6.
E quanto ao Rota 2030? Quais serão as principais contribuições do programa para o desenvolvimento da indústria automobilística local?
Os benefícios trazidos pelo programa são veículos mais seguros e eficientes, o que são pontos muito positivos para a sociedade, já que proporcionarão menos emissões de poluentes, incentivarão a adoção antecipada de tecnologias em prol da segurança e, consequentemente, reduzirão o número de mortes e custos sociais no trânsito, sem contar, é claro, a geração de empregos com o fomento da engenharia local e da produção nacional, entre outros.
De forma geral, o Rota 2030 é um importante avanço para o setor automotivo e permitirá a reindustrialização de toda a cadeia automotiva e um impulso tecnológico no Brasil nos próximos anos. Inclusive, já teve início o segundo ciclo de discussões a fim de dar continuidade ao programa, o que é muito importante para a efetividade dos objetivos a serem alcançados.
O Brasil acordou para a necessidade de promover a descarbonização, particularmente no setor automotivo? Como a Bosch encara essa questão?
O Brasil já tinha ciência sobre esta questão desde a década de 1970, quando foi criado o programa Proálcool, que estimulou a produção de etanol para o mercado interno e externo, além de, consequentemente, contribuir para evitar a emissão de CO2. Portanto, o país sabe que pode ser um protagonista no desenvolvimento de soluções para neutralização de carbono por meio de biocombustíveis, híbrido-flex, eletrificação ou célula de combustível. Neste contexto, a Bosch também teve um papel importante com a criação da tecnologia flex fuel, que ajudou a posicionar o Brasil entre os países com baixo índice de emissões de CO2 devido ao uso do etanol, uma solução limpa e totalmente renovável. Assim, por meio de parcerias público-privadas, universidades, centros de pesquisas e desenvolvimento, a Bosch está estudando formas de apoiar o Brasil a participar do desenvolvimento dessa tecnologia em nível global.
Também investimos em novas tecnologias de sistemas de freios que contribuem para a descarbonização por meio da redução do consumo de combustível e é exatamente nesse sentindo que acabamos de firmar e anunciar uma parceria com a VW. Vale ressaltar ainda que o Programa Eletrônica de Estabilidade regenerativo (ESP hev) também auxilia a descarbonização por meio da recuperação da energia.
Qual o papel reservado à Bosch no desenvolvimento da eletrificação automotiva no Brasil? A empresa já colocou em marcha a criação de componentes para o powertrain híbrido e para sistemas puramente elétricos, como as células de combustível? E qual a contribuição da marca para a implantação de equipamentos de recarga de baterias?
A Bosch está amplamente comprometida com a eletromobilidade – com soluções para veículos híbridos, elétricos e células de combustível. E, mesmo com a ascensão dos sistemas híbridos e elétricos nos próximos anos, continuamos atuando ativamente no aprimoramento das tecnologias a combustão visando uma condução mais eficiente, segura e sustentável. Para diferentes aplicações e mercados vemos um convívio de três possíveis soluções em conjunto com o motor a combustão mais eficientes ainda por um longo período.
Os veículos híbridos desenham uma transição que combina o melhor do elétrico com a autonomia dos motores a combustão interna. Em diferentes possibilidades permite uma experiência melhor e ao mesmo tempo apoia a redução de emissões. Já os elétricos puros vão se desenvolver rápido nos grandes centros urbanos e na mobilidade individual, em paralelo ao desenvolvimento de novas tecnologias de baterias. Os veículos elétricos devem cobrir demandas nas grandes cidades, especialmente para veículos compartilhados ou veículos comerciais pequenos de entrega, como já vemos com o e-Delivery da WVCO. Inclusive, produzimos em nossa planta de Campinas, desde 2021, a unidade de controle veicular com maior poder de processamento para atender a demanda desses veículos elétricos.
Ainda quando olhamos para o mercado brasileiro acreditamos que o sistema híbrido, em conjunto com a motorização flex, será a tecnologia com maior potencial e diferencial. O Brasil não vai caminhar tão rápido quanto outros países para a eletrificação total dos veículos, em parte porque o país já tem o etanol, que atende exigências de redução de emissões.
Seja com combustível ou eletricidade, a Bosch está moldando ativamente a mobilidade do futuro: com forte atuação na área da eletrificação, redução de emissões, veículo autônomo, conectividade e digitalização, realizando parcerias estratégicas com empresas privadas, universidades e institutos de pesquisa.
Como devem avançar no País as políticas de incentivo aos biocombustíveis? Como ficará a prioridade ao etanol com o avanço da eletrificação? Qual é a contribuição da Bosch?
Atualmente, existem projetos de leis e programas que incluem tanto políticas voltadas para a eletrificação quanto para os biocombustíveis. É necessário manter essa pluralidade e a sinergia quando se trata de desenvolvimento de soluções e tecnologias no campo da mobilidade. Quando falamos de caminhões e aviões para transporte de cargas, a solução de biocombustíveis ganha destaque nos PLs federais, e quando falamos de veículos leves em cidades metropolitanas, a eletrificação tem ganhado força nas pautas de políticas públicas estaduais, por exemplo.
Com a criação da tecnologia flex fuel, a Bosch ajudou a posicionar o Brasil entre os países com baixo índice de emissões de CO2 devido ao uso do etanol, matriz totalmente renovável. Ademais, o Brasil pode ser um protagonista no desenvolvimento de soluções dentro do cenário global da sustentabilidade energética na busca pela neutralização de carbono por meio de biocombustíveis, híbrido-flex ou célula de combustível.
Hoje, temos cerca de 300 engenheiros atuando nos centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Bosch no Brasil, sendo mais de 90% deles em projetos com foco em soluções para uma mobilidade mais limpa, segura e eficiente. Entre os projetos que estamos trabalhando, que conta inclusive com o aporte da Finep – através do edital Inova Energia – está o desenvolvimento de uma solução que tem como objetivo aumentar a eficiência energética dos veículos a combustão. Para o desenvolvimento contamos com parcerias com universidades e institutos especializados no tema. Também estamos atuando em projetos de eletrificação de veículos comerciais. Nosso portfólio de produtos abrange toda a gama de aplicações possíveis: de unidades de 36 volts para motos a motores elétricos para veículos leves e pesados.
Haverá continuidade dos investimentos previstos para o Brasil na indústria automobilística, tendo em vista a competitividade do setor globalmente?
Com certeza. A América Latina é um porto seguro, livre, democrático e sem conflitos geopolíticos. Somos fornecedores confiáveis de matéria prima, minérios e alimentos para o mundo. Após as recentes crises e pandemia, estamos chamando mais atenção para os investimentos e voltamos para o radar das novas definições estratégicas globais das empresas multinacionais, saindo do “nearshore” para o “safeshore”.
O mercado brasileiro e argentino é importante para a indústria automotiva como um todo. Aqui na Bosch temos investido na América Latina para atualizar e ampliar o nosso portfólio de produtos, mantendo a liderança tecnológica e priorizando o “Local for Local”, além de termos o objetivo de trazer uma nova geração e inovação de produtos baseados nas tendências que envolvem softwares, personalização, automação, conectividade e eletrificação. Vale destacar ainda que na nossa região há inúmeras oportunidades para serem exploradas dentro do mundo da digitalização e do AIoT, tanto na geração de novos negócios como na manutenção dos negócios tradicionais.
Em 2022, a empresa planeja investir cerca de R$ 331 milhões que serão direcionados para garantir o desenvolvimento e a competitividade das unidades fabris na região. Além de R$ 356 milhões em projetos de P&D com foco em engenharia e novos produtos e R$ 535 milhões em projetos de digitalização.
É importante ressaltar que a Bosch Brasil, além de fornecer soluções tecnológicas e serviços customizados para atender o mercado local, é também um centro de competência para produção e comercialização de diferentes produtos, entre eles, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias diesel. Nessa área, contamos com amplo know-how em produção de componentes de sistemas diesel que atende tanto a demanda local quando de outros países. Diante disso, em 2021, realizamos a transferência da linha dos componentes diesel CRIN (Common Rail Injector) dos Estados Unidos para Curitiba (PR), onde a Bosch já conta com um centro de desenvolvimento de plataformas desses sistemas para o mercado global. Inclusive, temos potencial para outros investimentos neste sentido para atender tanto o as demandas locais quanto para exportação.
Outro exemplo de investimento é o Centro de Testes Veiculares de Iracemápolis (CTVI), um consórcio entre a Bosch e a Mercedes-Benz, que tem a previsão de ser inaugurado no fim desse ano. Ambas as empresas se uniram para criar um dos maiores e mais modernos centros de testes veiculares do Brasil, que permitirá a realização de ensaios para desenvolvimento de sistemas de segurança veicular e controle de chassis, como o Programa Eletrônico de Estabilidade (ESP®), Sistemas Avançados de Assistência ao Condutor (ADAS), além de eficiência energética e de condução autônoma/semiautônoma. Esse centro de testes estará disponível para a locação por terceiros e, assim, contribuímos para o protagonismo de toda a indústria automotiva nacional.