Com escassez de semicondutores, Anfavea diz que hoje não consegue planejar mais de quatro semanas de produção. Em 2021, até helicóptero foi usado para agilizar entrega das peças às fábricas
A projeção de crescimento da Anfavea de 8,5% para as vendas internas de veículos e de 9,4% na produção nacional pode parecer otimista aos olhos de alguns analistas do setor, mas para a entidade que reúne as montadoras trata-se de números até conservadores em função do quanto o mercado está distante da sua normalidade.
“Apesar das dificuldades, fechamos o ano passado com 2,12 milhões de unidades e estamos projetando 2,3 milhões. Ou seja, estamos falando de 180 mi adicionais, não é um crescimento otimista”, afirmou Luis Carlos Moraes, presidente da Anfavea, em entrevista online nesta sexta-feira (7).
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Moraes fez questão de lembrar que a projeção da Anfavea está longe dos níveis pré-pandêmicos – 2019 fechou o ano com 2,8 milhões – e muito distante da capacidade de produção da indústria automotiva brasileira, que é ao redor de 4,5 a 4,7 milhões de unidades.
Não fossem as dificuldades previstas pela frente, o presidente da entidade garante que esses números seriam bem maiores. E dificuldades não vão faltar pela frente, como lembrou o executivo, a começar pela escassez de componentes eletrônicos, que se estima menor em 2022, mas não se sabe o quanto. Atualmente essa crise ainda preocupa as montadoras.
“A previsibilidade de semicondutores hoje é um horizonte de quatro semanas, não tem mais que isso. Se você perguntar para seu fornecedor o que pode acontecer em fevereiro, a gente não tem uma noção clara por conta dessa instabilidade na oferta de semicondutores, que está acontecendo no mundo.”
A Anfavea lembrou que no ano passado as fábricas se desdobraram como puderam para tentar interromper a produção o mínimo possível, apesar das adversidades. Afinal, houve desestabilização da logística global, problema no fluxo dos navios, falta de contêineres para o transporte e, claro, a escassez dos microchips, que obrigou as empresas a buscarem alternativas que estivessem à mão.
“Nós trouxemos muita coisa por avião, inclusive soubemos de algumas empresas que receberam as peças no aeroporto e transportaram de helicóptero só para chegar mais rápido à fábrica”, contou Moraes, que prevê que em 2022 ainda teremos o risco de algumas paralisações de linha de produção, mas em menor nível do que foi no ano passado.
Cenário econômico preocupa
Portanto, a falta de chips e o desarranjo das cadeias de fornecimento foram consideradas na projeção da Anfavea, assim como a preocupação com o cenário econômico em 2022 e o aumento de custo dos demais insumos necessários para a produção de veículos.
Já se fala em reajuste dos preços de algumas matérias-primas, como o aço, e de repasse de aumentos de custo que os fornecedores não aplicaram em 2021, ou pelo menos não integralmente.
Além disso, o cenário futuro dos preços ainda deverá ser impactado pela alta dos juros (ao redor dos 11%), uma inflação acima da meta e a estimativa de um PIB que estará longe do que se esperava um semestre atrás.
A previsão da Anfavea para 2022 é de um crescimento do PIB de 0,5%, mas a entidade sabe que esse é tema muito controverso no mercado: enquanto o Banco Central trabalha hoje com um aumento de 1%, analistas do mercado financeiro falam em 0,36% e consultorias falam em PIB nulo (XP) e ou até em queda de 0,5% (Asa Investments).
Como 2022 é ano de eleições, espera-se também que o ano seja marcado por uma grande volatilidade do câmbio, ajudando a complicar esse panorama.
Risco do agravamento da pandemia
O que pode mudar esse cenário de leve crescimento de vendas e produção é o agravamento da pandemia de Covid-19 diante do recente aumento nas contaminações pela variante ômicron.
Por enquanto, a Anfavea diz que está mantida a participação nos grandes eventos do setor programados neste ano, Agrishow (25 a 29 de abril), Fenatran (7 a 11 de novembro) e Salão do Automóvel (ainda sem data), mas isso pode mudar se houver avanço da pandemia.
“Esse é um tema preocupante, pois pode haver sobrecarga na área da saúde. Já estamos vendo o cancelamento de eventos, o que traz impacto na economia, porque já estávamos considerando a retomada mais forte da área de serviços. Também aumenta o risco de pessoas afastadas das nossas fábricas ou de fornecedores, tanto aqui quanto lá fora. Isso estamos monitorando diariamente. A gente acompanha o boletim econômico e sanitário todos os dias. A pandemia não terminou e a gente não pode subestimar o impacto dessa nova onda.”