Para reduzir impacto ambiental da mobilidade, setor aposta no mercado de ativos sustentáveis que está emergindo no Brasil
Uma ‘’moeda’’ para reduzir o impacto ambiental de organizações e projetos: esse é o crédito de carbono. E é uma moeda em ascensão no Brasil, responsável por reduzir em um milhão de toneladas as emissões de CO2 no país e que, em breve, passará a ser negociada em uma bolsa de valores exclusiva. O ativo sustentável ganha apelo no setor automotivo e da mobilidade, com cada vez mais empresas que apostam na solução como parte da estratégia ESG (sigla em inglês para Governança Ambiental, Social e Corporativa).
O mercado funciona basicamente assim: empresas ou países que economizaram na emissão de CO2 podem vender seus créditos para aqueles que ultrapassaram seus limites. São dois tipos de mercados, o voluntário e o oficial, regulado pela ONU (Organizações das Nações Unidas) – entenda abaixo.
No Brasil, o que funciona ainda é o mercado voluntário, regido pelas Reduções Voluntárias de Emissões, que permitem a qualquer empresa, inivíduo ou organização gerar ou comprar créditos de carbono voluntários. Mas isso pode mudar em breve com o Projeto de Lei 581/21 que define a criação e regulamentação desse mercado e está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados. Na semana passada, o estado do Rio de Janeiro e a Nasdaq, bolsa de tecnologia dos Estados Unidos, assinaram um protocolo para criação de uma bolsa de valores para negociar créditos de carbono e ativos sustentáveis, como energia, clima e florestas.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o mercado de créditos de carbono deve gerar globalmente US$ 50 bilhões em recursos, beneficiando principalmente países com mata nativa. Sendo assim, a estimativa é de que o Brasil poderia deter fatia de US$ 10 bilhões em créditos de carbono.
Empresas de mobilidade apostam no ativo sustentável
Tendo em vista a prosperidade do mercado e o peso da agenda ESG para o setor automotivo e a mobilidade, empresas como a locadora de veículos Unidas apostam na compra de créditos de carbono para compensar suas emissões, quando essas não podem ser evitadas.
Segundo a gerente de sustentabilidade da Unidas, Fernanda Cotta, a agenda de combate às mudanças climáticas é “muito estratégica para a empresa”, que quer zerar suas emissões até 2028. Em 2020, a locadora compensou 143 mil toneladas de CO2, referente a emissões do ano anterior.
“Estamos trabalhando dois pilares: reduzir as emissões onde é possível, como ter uma frota de veículos flex e elétricos, e na compensação pela compra dos créditos. Apoiamos desde projetos de inovação, como também projetos ligados a parte de bioma (manutenção da floresta)”, afirmou Fernanda.
“A intenção é ir crescendo com esse valor de compensação. Hoje, 90% das nossas emissões estão relacionadas ao escopo 3 GHG Protocol.” O protocolo é um padrão de quantificação de emissões de gases do efeito estufa. Os escopos 2 e 3 são classificações para fontes em que a empresa possui responsabilidade indireta, como fornecedores. Enquanto o escopo 1 é referente às fontes de responsabilidade direta da empresa, como a sua própria frota de veículos.
Do outro lado da mesa, a Tembici, empresa de compartilhamento de bicicletas, se prepara para fazer o primeiro leilão de créditos de carbono para micromobilidade, que deve acontecer em breve, no Rio de Janeiro. Segundo o Chief Communications Officer e co-fundador da empresa, Mauricio Villar, serão leiloados os créditos de carbono das emissões evitadas pelo projeto Bike Rio. O volume de créditos a ser negociado ainda não está definido, mas o executivo tem “boas expectativas” com a negociação. Em 2020, as bicicletas da Tembici evitaram a emissão de 4 toneladas de CO2 na atmosfera, aponta o executivo.
Créditos de carbono: quando comprar?
Para o sócio da Eccaplan, consultoria em sustentabilidade que negocia créditos de carbono, Fernando Beltrame, esse mercado é uma alternativa para neutralizar as emissões das empresas automotivas para além das fábricas. “Precisa engajar toda a cadeia produtiva, considerando as emissões em todo o processo – desde o poço (extração do petróleo para o combustível) até a roda (emissão do escapamento)”, apontou.
Ele destaca ainda que a compensação de carbono pode ser feita de diversas maneiras, inclusive adotando o frete neutro, no caso dos e-commerce e delivery, que ganharam força com a pandemia.
Apesar de ser uma ‘’moeda’’ para ajudar o meio ambiente, o crédito de carbono não deve visto como um passe-livre para a emissão de poluentes, é preciso ter consciência ambiental, avisa.
“O principal passo é avaliar o impacto ambiental da empresa, analisar formas de reduzir a pegada de carbono e colocar em prática. Depois disso, o que não for possível reduzir, a organização pode trabalhar na compensação de carbono”, explicou Beltrame.
É isso que a Bosch está fazendo. Segundo a chefe corporativa de sustentabilidade da empresa para a América Latina, Hervelly Ferreira, os créditos de carbono representam apenas 15% da compensação da empresa.
“A Bosch já é CO2 neutra nos escopos 1 e 2 do GHG Protocol e tem meta de reduzir 15% das emissões do escopo 3 até 2030”, afirmou a executiva. “Nossa estratégia tem como foco principal reduzir o consumo de energia elétrica, que representa mais de 75% das nossas emissões, e a energia consumida deve ser de fonte renovável, seja por meio da autogeração ou por contrato de compra.”
Segundo ela, a busca por créditos de carbono tende a ganhar cada vez mais relevância até mesmo por causa da demanda do mercado financeiro. A executiva lembra que “98% dos investidores pesquisam indicadores não financeiros antes de apostar em uma empresa, com olhar para a diversidade e a inclusão e a sustentabilidade da organização”. Prova da ascensão do tema é que a busca pelos créditos de carbono na Eccaplan triplicou entre 2020 e 2021.
Quanto custa neutralizar emissões de carbono
Segundo o sócio da Eccaplan, o investimento médio em créditos de carbono varia muito a depender do porte da empresa e da atividade, mas é possível ter uma ideia.
Compensar as emissões de um carro que roda 10 mil quilômetros por ano pode custar entre R$ 150 a R$ 200, o que corresponde a 1,5 tonelada de CO2. Enquanto um caminhão que roda em média 50 mil quilômetros por ano, o custo é de R$ 1 mil a 2 mil, neutralizando a emissão de 22 toneladas de CO2.
“Para empresas que têm grandes frotas, o custo pode parecer alto, mas é um investimento a longo prazo. Por isso é tão importante que reduzir ou eliminar todas as emissões possíveis e só compensar com créditos aquilo que for inalcançável naquele momento”, explicou Beltrame.
Mercado de Quito x mercado voluntário
Quando se trata de créditos de carbono, o mercado oficial entrou em vigor em 2005 com o Protocolo de Quioto, acordo internacional da ONU (Organização das Nações Unidas) assinado por diversos países para combater o efeito estufa. Segundo Beltrame, ao assinarem o documento, os países definiram metas de emissão de CO2 e outros gases do efeito estufa, mas aqueles que ultrapassam a sua cota podem comprar créditos dos países que conseguiram reduzir suas emissões de poluentes.
“Os créditos de carbono são incentivos financeiros para viabilizar projetos ambientais e sociais, criados com o Protocolo de Quioto. São iniciativas de energia renovável, biomassa e outras ações auditadas e certificados pela ONU”, explicou o sócio da consultoria Eccaplan.
Ele aponta ainda que um dos instrumentos desse mercado é a flexibilização, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que permite a aplicação em países em desenvolvimento, como o Brasil.
Já no mercado voluntário qualquer empresa ou pessoa física pode comprar créditos de carbono, regulamentados ou não, para compensar suas emissões. Esse mercado abrange desde pequenas organizações até grandes negociações em bolsas de valores pelo mundo. O mercado voluntário pode ser regulado por lei em cada país, como quer fazer o Brasil com o PL 581/21, em trâmite na Câmara dos Deputados.
Se aprovado, Beltrame afirma que mais projetos brasileiros poderão ser beneficiados. “As empresas que comprarem os créditos vão poder selecionar iniciativas brasileiras para apoiar. Hoje, é muito caro registrar um projeto internacionalmente. Para isso, o Brasil precisa definir como será feito o registro dos projetos, quem vai certifica-los, entre outros pontos. Se tudo for feito de forma clara e transparente, as organizações vão apoiar os projetos ambientais aqui.”