Os acertos e aprendizados da VW em 70 anos de Brasil

Fabricante alemã se estabeleceu principalmente por saber fazer carros para o mercado local, mas penou em outras situações

Fernando Miragaya

Fernando Miragaya

Fabricante alemã se estabeleceu principalmente por saber fazer carros para o mercado local, mas penou em outras situações

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O mercado brasileiro de automóveis hoje é bastante pulverizado e diverso. São várias marcas, produtos e novas diretrizes. Cenário bem diferente da época em que a Volkswagen surfou na crista da onda. 

Mas se a onda passou, a VW ficou com a prancha e a reputação. Ainda hoje, com 70 anos de atuação no país, é apontada como uma das fabricantes mais identificadas com o Brasil.

Uma reputação forjada em um forte trabalho de engenharia local e a sabedoria de fazer carros adequados para cá. Esses são só alguns dos grandes acertos da montadora que você confere em mais esta reportagem da série sobre os 70 anos da VW no país.

Mas claro que entre uma onda e outra, teve muito caixotes. Neste tempo, a Volks pagou por alguns erros estratégicos que, ao mesmo tempo em que lhe custaram lideranças históricas de mercado, lhe serviram de lições para o futuro.

VW de olho no mercado interno

“Das Auto”. O slogan de “fazedor de carro” (em uma tradução bastante livre do alemão) não poderia ser mais adequado à VW nestes 70 anos de Brasil. A marca alemã é reconhecida por fazer bons veículos, mas, por aqui, especialmente adequados à nossa realidade.

“A Volkswagen sabe fazer carros e, na minha opinião, é a que melhor sabe fazer carros no Brasil. A montadora se firmou no país e provou que tem capacidade para produzir qualquer tipo de veículo adaptado ao mercado”, diz Cassio Pagliarini, sócio da Bright Consulting.

O Fusca é obviamente hors concours nesta história. Assim como a Kombi. Porém, a partir dos anos 1970 a Volks começou a desenhar uma história que culminaria em sua liderança absoluta de mercado nas duas décadas seguintes.

Em especial os veículos desenvolvidos pela filial brasileira. A Brasília, em 1973, foi a primeira prova disso. Mas o grande ápice foi o Projeto BX, que originou o carro de maior sucesso da indústria automotiva brasileira, o Gol e suas mais de 8 milhões de unidades produzidas em mais de 40 anos – além de uma família de sucesso: Voyage, Parati e Saveiro.

Nos anos 2000, nova investida com o Projeto Tupi do qual se originou o Fox. A marca alemã trouxe um novo conceito de hatch altinho aproveitando a plataforma PQ24 usada pelo Polo da época. O carro não só durou quase 20 anos no Brasil, como ainda foi exportado para a Europa.

Recentemente, mais uma investida da filial que ganhou o mundo. O projeto New Urban Coupé trouxe o conceito de SUV acupezado para o segmento de compactos com o Nivus, crossover baseado no atual Polo e com design assinado por José Carlos Pavone. 

“Isso é uma marca registrada da montadora, essa identificação muito grande com o Brasil. O Gol é o principal exemplo, sucesso absoluto por anos e um dos produtos brasileiros que a Volkswagen desenvolveu, muitas vezes enfrentando opiniões contrárias da matriz”, destaca Flavio Padovan, ex-vice-presidente da VW e sócio-fundador na Padovan Consulting.

Erros de posicionamento da VW no Brasil

Apesar de saber fazer carro para os brasileiros, a Volks pecou muitas vezes em suas estratégias de produtos. Antes da Brasília, por exemplo, a marca penou com um trio de modelos.

Se hoje o sedã 1600 (o Zé do Caixão ou Fusca Quatro Portas), o fastback TL e os cupês SP1 e SP2 são disputados à tapa e valorizados no mercado de usados, na época de suas existências patinar em vendas. Mesmo a Variant II, derivada do sucesso que foi a Brasília, naufragou.

Com exceção do Santana e da família Gol, os carros made in Autolatina da Volks também pouco acrescentaram. Com base Ford, Logus, Pointer e Apollo duraram pouco e decepcionaram nas vendas.


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Nesta mesma época ainda teve um erro estratégico que fez a Volks entregar de lambuja um segmento para General Motors e Fiat. Nos anos 1990, a matriz vetou o Voyage derivado do Gol Bolinha (segunda geração) e acreditou que o Polo Classic seguraria as pontas. A marca praticamente ficou de fora da categoria de sedãs compactos por 15 anos.

Mais recentemente foi o Up! que padeceu de um posicionamento errado. Lançado em 2013, o carro tinha diversas virtudes: construção sólida, plataforma modular MQB, motores modernos e eficientes e altos índices nos testes de segurança.

Acontece que o brasileiro compra carro a metro, e o Up era bem menor que o Gol, mas não tão mais barato. Além disso, com o tempo passou a ficar com valores acima do veterano compacto. Jamais decolou nas vendas e ainda por cima canibalizou o Gol, que perdeu uma liderança de quase 30 anos como o carro mais vendido do país.

Engenharia de excelência

A engenharia alemã é referência mundial em qualidade e robustez, e a Volkswagen no Brasil sempre se valeu disso. Os automóveis da marca alemã colaram a imagem de carros duráveis e com conjuntos mecânicos confiáveis e de manutenção simples.

Além disso, a Volks foi a primeira montadora no Brasil a ter um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, dentro da fábrica de Anchieta, em São Bernardo do Campo (SP). O que facilitou ainda mais a concepção de veículos pensados para o mercado brasileiro.

“Não só a engenharia alemã é muito robusta, como a engenharia brasileira é muito bem estruturada”, defende Cassio Pagliarini.

Moral da VW Brasil com a matriz

Tamanha força deu à Volkswagen Brasil condições de até peitar os alemães. A filial daqui por muito tempo foi a segunda maior em vendas, o que significava um bom repasse de lucros e moral para atrair investimentos e sugerir novos veículos.

“A Volks Brasil sempre foi muito corajosa e sempre teve muita representatividade e voz ativa. Quando se tem sucesso, volume importante e moral com a matriz, se é ouvido”, acredita Padovan. 


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Foi com esse argumento convincente de grandes volumes de vendas e carros de sucesso que a VW do Brasil conseguiu emplacar seus projetos – mesmo sob resistência da Alemanha.

“O maior lance da Volkswagen em peitar a matriz foi quando montou a Brasília no Brasil. O centro de desenvolvimento de Anchieta ganhou respeito e liberdade. Brasil é um celeiro de ideias que se propagam no mundo. Quando se tem criatividade e capacidade, a coisa muda de figura”, defende Paulo Roberto Garbossa, consultor da ADK Automotive..

Pioneirismo também é destaque na marca

Em 70 anos a fabricante também teve seus pioneirismos. Como dito, foi a primeira grande montadora a instalar aqui um Centro de Desenvolvimento e Pesquisa, em 1969. Oito anos depois instalou ali o primeiro laboratório de emissões veiculares.

A Volks também foi a marca a estrear comercialmente o carro flex no Brasil, que acaba de completar 20 anos de história. O Gol Total Flex foi apresentado em março de 2023 com o título de primeiro veículo no mundo a aceitar etanol e gasolina no tanque.

“Nos anos 1970 e 1980 as três grandes montadoras passaram a acompanhar de perto a Volks. Para o segmento de entrada a marca sempre foi dominante, com uma série de produtos que conseguiam atingir o público consumidor. Hoje tem uma pulverização grande de marcas, mas a Volks foi um norte para todas elas”, diz Garbossa.

Autolatina: bom ou ruim para a VW?

O tema Autolatina é sempre delicado. Para muitos, a holding formada entre Ford e Volkswagen no Brasil entre os anos 1980 e 1990 foi ruim para as duas montadoras. Para outros, uma prova de inovação.

O fato é que a sinergia foi eficiente, graças aos projetos de carros em cima de plataformas compartilhadas e à redução de custos de produção. Mas é fato também que, tanto Ford como VW, saíram da Autolatina, em 1996, com menos participação de mercado do que quando entraram, em 1987.

“Ambas participavam de uma filosofia de gestão com diferenças consideráveis e fiéis à economia de livre mercado, queriam lucro. Conseguiram unir operações custosas em uma só em toda a sua extensão”, afirma Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Ford na época da Autolatina.

Para o executivo e outros especialistas, a parceria uniu o melhor das duas empresas. Trouxe a mecânica confiável e renomada da Volks e a administração industrial e boa relação com fornecedores da Ford. “Dois vetores que foram usados no melhor que essa associação podia operar”.

Para Padovan, a Autolatina foi um sucesso. “Foi um movimento corajoso, na época em que o mercado ainda era fechado. As duas empresas enfrentavam grandes problemas e um mercado ruim, em que investimentos não se justificavam”, lembra o executivo.

 

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