O que pretende a Ford um ano após decidir encerrar produção no Brasil

Pandemia desacelerou planejamento que envolve novos produtos na área da mobilidade

Bruno de Oliveira

Bruno de Oliveira

Pandemia desacelerou planejamento que envolve novos produtos na área da mobilidade

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O processo de reestruturação da Ford na América do Sul completou um ano na quinzena inicial de janeiro, marcado pelo dia em que a organização anunciou que deixaria de produzir veículos no Brasil. Neste primeiro período, o mercado viu em ação parte de um plano de busca por maior rentabilidade que poderia ter avançado muito mais não fosse a pandemia. No Brasil, afora a importação de veículos, pouco se executou no campo dos serviços, um dos pilares de negócios em que a montadora prometeu dedicar os seus esforços. Este ano, porém, novidades podem surgir a partir do segundo semestre.

“A Ford teve de reduzir a velocidade dos seus projetos envolvendo serviços. Parece claro que a pandemia fez toda a indústria esperar a poeira baixar para ver como o mercado de mobilidade vai se configurar no futuro. A grande vantagem da montadora é que ela, por ter iniciado um processo de reestruturação mais cedo do que as demais, teve a chance de testar novas fórmulas visando o futuro”, disse Ricardo Bacellar, sócio fundador da Bacellar Advisory Boards e conselheiro da SAE Brasil.

O que já avançou no Brasil e no exterior

Se olharmos em retrospecto, de fato no ano passado a empresa conseguiu lançar serviços pontuais em seus principais mercados globais, apesar das restrições impostas pela covid-19 na indústria. No Brasil, por exemplo, apresentou em junho o serviço de carro por assinatura Ford Go. No exterior, a montadora testa oferta de serviços de entrega de encomendas no Reino Unido e nos Estados Unidos, sobretudo envolvendo modelos de veículos elétricos da sua gama.

“O mercado espera a partir do segundo semestre um movimento maior da montadora em termos de serviços. A estratégia está desenhada, mas não é engessada. Ela fica bebendo de sinais do mercado esperando o melhor momento para sair da gaveta”, contou Bacellar. “Enquanto isso não acontece, veremos uma grande transformação na rede de distribuição da marca, que se prepara para ser mais digital.”

Essa mesma rede, seguiu o consultor, já teve de ser transformada para vender a gama importada da montadora, que nos meses que se seguiram ao anúncio de reestruturação ganhou volume com a chegada de novos modelos, como os SUVs Bronco e Territory, a nova picape Ranger e novas versões do utilitário Transit.

Brasil no contexto dos serviços de mobilidade

A leva de veículos premium chegou para atender às necessidades da montadora por maior rentabilidade, uma vez que cada um dos segmentos em que estes veículos estão inseridos são hoje são vistos como os mais promissores em termos de vendas e lucros. Por outro lado, a montadora estaria, de fato, mais interessada no promissor mercado de serviços brasileiro.

“O potencial que o país oferece como produtor de veículos vai ficar no patamar que vemos hoje, cerca de 2,5 milhões de unidades por ano, talvez menos. Agora, quando se olha sob a perspectiva do mercado de mobilidade, estamos falando de uma país gigante, com 200 milhões de habitantes, com carência de modais de transporte”, contou Bacellar. “E isso mostra o Brasil como um mercado muito mais interessante do ponto de vista de serviços do que como produtor de veículos. Tem aderência ao planejamento da Ford”.

Consumidor quer mais serviços

No final de dezembro a montadora divulgou os resultados de uma pesquisa realizada em 15 países, incluindo o Brasil, e que entrevistou 14 mil pessoas, a qual indicou que o consumidor estaria inclinado a depender menos do carro particular e estaria, portanto, mais propenso a contratar serviços de mobilidade.

“Há sinais de que as pessoas estão se tornando menos dependentes do carro particular. Por exemplo, 31% dos entrevistados da geração Z e da geração Y dizem que as crianças de hoje não precisarão aprender a dirigir. Uma em cada quatro pessoas dessa faixa etária diz que preferiria algum tipo de compartilhamento em vez de possuir um carro se o custo for o mesmo”, afirmou a companhia no relatório Tendências 2022.

“Cerca de 45% se sentiriam mais seguros em um veículo autônomo e dois terços dos pais prefeririam que seus filhos andassem num veículo autônomo do que com um motorista estranho. Além disso, 42% dos adultos acreditam que em seu tempo de vida os congestionamentos se tornarão mais comuns no céu, com drones e veículos voadores, do que nas ruas”, seguiu o documento.

No caso da eletrificação, a empresa é vista como um competidor que avançou mais do que as empresas que também estão mudando os seus negócios para além dos motores a combustão, disse Fernando Trujillo, analista da IHS:

“Pensando em operação global, a Ford leva vantagem focando seus esforços apenas em eletrificação porque ela investiu nesse tipo de powertrain, redesenhou o seu negócio, antes do que as demais. Na operação regional, ainda não é vantagem porque falta estrutura para esse tipo de veículo, o que beneficia, portanto, quem ainda mantém negócios com veículos com motor a combustão”.

Valor de mercado subiu em 2021

Em maio do ano passado a empresa lançou em uma reunião com analistas financeiros e parceiros de negócios seu plano estratégico a ser aplicado ao longo desta década até 2030. Sem grandes surpresas, o maior foco é justamente a eletrificação da linha de produtos, com aumento para US$ 30 bilhões do investimento em novos veículos elétricos, sistemas e baterias até 2025.

Para justificar o aumento do investimento em eletrificação para US$ 30 bilhões até 2025, a Ford projetou na oportunidade que 40% do seu volume global de vendas seja de veículos totalmente elétricos em 2030, incluindo modelos já conhecidos como Mustang Mach-E, a picape F-150 Lightning e a van E-Transit.

Em meio às mudanças e aos planejamentos fato é que o que foi feito no seu primeiro ano de reestruturação já deu resultados. O valor de mercado da montadora atingiu US$ 101,5 bilhões ao final do ano, o maior pico em duas décadas. O desempenho se deu porque a montador conseguiu repassar preços na esteira da alta de matérias-primas e, também, por estar mais leve financeiramente após abrir mão do que não lhe trazia retorno.