Em entrevista exclusiva, CEO da VWCO fala sobre o papel da liderança e dos desafios para manter uma empresa relevante
Há 22 anos na presidência da Volkswagen Caminhões e Ônibus, Roberto Cortes é um raro caso de executivo brasileiro a desempenhar função no conselho de administração de uma empresa global. Pelo seu papel de destaque, ainda no fim de 2019, o executivo foi um dos executivos a receber a equipe de Automotive Business para conhecer em primeira-mão e comentar os resultados da pesquisa Liderança do Setor Automotivo, feita por AB em parceria com a Mandalah e com a MHD Consultoria.
Esta entrevista é parte do especial Liderança do Setor Automotivo, que traz as principais conclusões da pesquisa e os comentários de grandes profissionais do segmento.
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Realizado a partir de entrevistas com 673 profissionais, o estudo traz o perfil e a visão das pessoas que ocupam posições de decisão nas empresas do segmento.
Na entrevista a seguir, Cortes analisa sobre os resultados da pesquisa, fala sobre negócios, gestão de pessoas, destaca a importância de construir equipes diversas e compartilha um pouco dos próprios desafios como líder da VWCO.
Segundo a pesquisa Liderança do Setor Automotivo, 93% das pessoas em posição de alta gestão nas empresas do segmento são homens e 87% são brancos. A maioria é formada em engenharia. Que leitura você faz deste perfil tão homogêneo?
É positivo trabalharmos por uma mudança e sinto que este aspecto vai se transformar muito nos próximos anos. Eu tenho um objetivo de ter pelo menos duas mulheres no conselho da Volkswagen Caminhões e Ônibus antes de me aposentar porque hoje não há nenhuma. Se não houver essa preocupação, como há uma presença masculina maior, você acaba dando prioridade para este mesmo perfil. A soma de profissionais com diversos perfis nos permite enxergar um horizonte mais amplo.
Os respondentes da pesquisa indicaram que as palavras que melhor definem o momento atual é transformação e mudança. As lideranças também se dizem cautelosas em relação ao momento. Você se identifica com estas impressões da maioria? Como você avalia este momento do setor automotivo?
O mundo está mudando, o nosso setor também – em uma velocidade muito grande. O que nos garantiu o sucesso de 15 anos de liderança no passado, muito provavelmente não vai assegurar no futuro, por isso precisamos nos transformar.
Temos de ir para onde o mercado está. Até recentemente entregávamos o hardware: oferecíamos o caminhão com a maior competência técnica e engenharia possível. Isso nos levou à liderança. Hoje, no entanto, a demanda é outra. O caminhão precisa vir conectado, ter inteligência, baixo nível de emissões.
Se não nos transformarmos para atender aos clientes, ficaremos no meio do caminho e, na Volkswagen Caminhões e Ônibus, gostamos de ousar e criar o nosso futuro na forma de conceber e produzir um veículo. Somos protagonistas
Ousadia é um atributo importante para as pessoas em posição de liderança?
A precondição para você liderar é ter coragem, ser ousado e arriscar. Tem uma frase que eu costumo falar muito: there’s no place but number one. Você precisa brigar para ser o melhor e, uma na primeira posição, precisamos nos transformar para continuar ali.
Vivemos um momento de busca por abertura comercial do País. Ainda assim, as lideranças avaliam que a indústria automotiva brasileira só será polo de desenvolvimentos locais, sem protagonismo na oferta de soluções globais. Qual é a sua visão sobre o tema?
Sou a favor de liberar tudo, de eliminar qualquer proteção. Quem manda é o mercado. Tenho 40 anos de setor e vejo que estes mecanismos têm vida curta, distorcem a realidade. Mas para fazer a abertura comercial, é importante que sejamos competitivos e que seja de forma gradual.
Um dos recortes da pesquisa mostra que a liderança automotiva enfrenta dificuldade para equilibrar a entrega de resultados no curto prazo e a construção de soluções para o longo prazo. Como manter a harmonia na condução destas duas frentes?
Na vida tudo é foco, tem hora que é importante priorizar o curto prazo e outras em que você precisa dar foco para o longo prazo. Se você entra numa crise financeira, óbvio que vai requerer mais tempo para gerenciar as questões imediatas, mas em condições normais dá para reservar parte do dia para olhar para projetos futuros, entender onde vai inovar, para onde está indo o Brasil e o mundo.
A beleza do administrador é focar na coisa certa na hora certa. Se você perder tempo pensando no futuro em uma hora que precisar olhar para o presente, pode quebrar a empresa.
Quais competências você considera essenciais para as lideranças?
É importante saber fazer contas, conhecer de engenharia e, principalmente, ter serenidade e coragem para fazer o que tem de ser feito. Não dá para perder tempo: é preciso ser contundente. Em outros setores nem tanto, mas no automotivo ter experiência é importante. Eu vivi 19 crises econômicas no segmento. Isso me ajuda a entender o que fazer quando o cenário muda.
O conceito de Candura Radical aponta que a boa liderança é capaz de alcançar o equilíbrio entre desafiar as pessoas da equipe e, ao mesmo tempo, ser empático e importar-se pessoalmente com cada colaborador. Esta é uma preocupação para você?
É importante manter este equilíbrio. É preciso ter calor humano e, ao mesmo tempo, coragem para fazer e pedir as coisas.
Não adianta ser alguém humano e agradável, mas incapaz de entregar resultados. Por outro lado, uma boa liderança não precisa apelar para a agressividade porque é essencial ser capaz de trazer as pessoas naturalmente.
Entre uma série de assuntos indicados no estudo, inovação aparece como a prioridade para os entrevistados. Já temas como diversidade, engajamento dos colaboradores e fortalecimento cultural, têm baixa relevância para a liderança. Na sua análise, o que provoca esta falta de percepção sobre a conexão entre estes temas?
Talvez alguns não entendam que diversidade é você escutar pontos de vista diferentes, é juntar visões para pensar além.
Empresas que pretendem ser perenes precisam se preocupar em ter inclusão e pluralismo para inovar. São coisas que caminham juntas.
Nesta edição da pesquisa, 36% dos entrevistados disseram que a companhia em que trabalham tem um propósito definido, claro e capaz de orientar as estratégias. Qual é a sua visão sobre propósito?
O meu propósito é contribuir para criar um mundo melhor para o futuro, para as próximas gerações.
Como um brasileiro na alta liderança de um grupo europeu, que balanço você faz da sua trajetória de 40 anos na Volkswagen Caminhões e Ônibus e mais de 20 anos como CEO? Como é carregar esta responsabilidade?
Sempre quis gerar uma condição melhor para a minha empresa, para o meu país e aqueles que aqui vivem. Com esse propósito, vamos tentando fazer mais e melhor, mostrar as nossas habilidades. Ainda que tenhamos alguns aspectos deficientes em relação aos europeus ou americanos, também nos destacamos em alguns pontos.
Na minha posição, trabalho para mostrar lá fora os nossos atributos, deixar claro o valor que os brasileiros têm para entregar.
Temos competência, por exemplo, para desenvolver e produzir um caminhão elétrico mais barato e com mais agilidade do que eles. Fico feliz porque os nossos resultados ajudem a comprovar tudo isso.