Marchionne em junho passado, durante apresentação a analistas do plano quinquenal 2018-2022 da FCA: sucessão teve de ser apressada
Nada parece convencional na vida de um dos mais longevos e festejados CEO da indústria automobilística mundial. Após 14 anos no comando, Sergio Marchionne, 66 anos, foi traído por graves problemas de saúde e obrigado a deixar de forma abrupta o posto de CEO da FCA (Fiat Chrysler Automobiles), que criou em 2014 depois de salvar da falência ambos os grupos que dão nome à companhia. Ao receber a notícia de que Marchionne não poderia mais voltar ao trabalho, diante do agravamento em seu estado enquanto se recuperava de uma cirurgia no ombro, a direção da FCA se reuniu às pressas no sábado, 21, para nomear um novo CEO, o inglês Mike Manley, de 54 anos, até então chefe de operações das marcas Jeep e Ram, que assume o novo posto imediatamente.
Informações não confirmadas pela FCA nem pela família, veiculadas pela imprensa europeia no domingo, 22, dão conta que Marchionne encontra-se internado em coma profundo, em um hospital de Zurique, na Suíça, devido a complicações após cirurgia no ombro direito. Mas especula-se que o executivo tenha doença invasiva mais grave só descoberta recentemente. Em comunicado no sábado, a FCA informou: “Durante o curso da última semana surgiram complicações inesperadas enquanto Marchionne se recuperava de cirurgia, que pioraram significativamente nas últimas horas; como consequência Marchionne estará inapto a retornar ao trabalho”.
A última aparição pública do executivo foi no fim de junho. No dia 1º do mesmo mês, animado e sempre cheio de frases de efeito, Marchionne comemorou o que chamou de “melhor momento da companhia” ao apresentar a analistas e imprensa em Balloco, Itália, o novo plano quinquenal 2018-2022, que prevê investimentos bilionários (€ 45 bilhões), quitação de pesadas dívidas e aumento dos lucros da FCA (leia aqui).
Na ocasião, muitos esperavam que o sucessor de Marchionne fosse oficialmente anunciado para assumir o posto de CEO a partir do início de 2019, mas o executivo disse que não era o momento de discutir o tema: “Desde 2004 (quando assumiu o comando do então Grupo Fiat) não me lembro de quando esta empresa esteve tão bem. E o plano até 2022 que apresentamos hoje é muito bom, fará da FCA uma das melhores e mais cobiçadas empresas do setor automotivo global. Como acionista eu quero estar aqui para ver isso”, afirmou, deixando claro que não estava em seus planos sair rápido.
Mas o plano de sucessão já estava pronto, como ficou claro pela rápida nomeação do novo executivo-chefe, confirmada no comunicado da empresa sobre a decisão: “O board da companhia decidiu acelerar o processo de transição de seu CEO que estava em procedimento nos últimos meses e nomeia Mike Manley como CEO. Seu nome será proposto à confirmação na reunião de acionistas nos próximos dias”, diz a nota. Mike Manley, o sucessor de Marchionne
À frente da Jeep nos últimos 10 anos, Manley ganhou a preferência na sucessão após aumentar substancialmente a relevância global da marca americana, que desde a criação da FCA em 2014 mais que dobrou seu volume global de vendas, de 730 mil unidades em 2013 para chegar a 1,9 milhão este ano. Hoje a Jeep é a divisão mais rentável do grupo e nos próximos anos vai experimentar a maior renovação e diversificação de modelos entre as marcas da FCA.
HERANÇA DE SUPERAÇÃO
John Elkann – bisneto do fundador da Fiat, Giovanni Agnelli, e hoje chairman da FCA – divulgou uma carta aos funcionários com tom emocional, na qual exalta a herança de superação e reconstrução que Marchionne deixa à companhia de sua família.
“Nos últimos 14 anos, primeiro na Fiat, depois na Chrysler e, por fim, na FCA, Sergio foi o melhor CEO que se poderia desejar e, para mim, um verdadeiro mentor e caro amigo. Foi graças à sua perseverança e liderança que conseguimos salvar a empresa. Ele nos ensinou a pensar diferente e ter coragem para mudar, frequentemente de maneira não convencional, sempre agindo com senso de responsabilidade pela companhia e as pessoas que a integram. Ele ensinou que a única questão que importa no fim de cada dia é como nós conseguimos mudar algo para melhor, como fizemos diferença. E Sergio sempre fez a diferença”, destacou Elkann.
Marchionne assumiu o comando do Grupo Fiat em 2004, quando a empresa registrava prejuízos bilionários que alcançam € 8 bilhões. Com um arrojado plano de gestão financeira, o executivo ítalo-canadense conseguiu promover mudanças profundas e levar adiante uma das maiores recuperações já vistas na história da indústria automotiva. Em outra cartada arrojada, em 2009 fez a Fiat assumir o controle do Grupo Chrysler à beira da falência. Obteve outro sucesso e promoveu em 2014 a fusão total da companhia com a criação da FCA – e provou que a fabricante americana tinha marcas de valor que hoje sustentam a corporação.
O executivo traçou um plano de separar algumas as empresas do Grupo Fiat para aumentar o valor dos diversos blocos. Antes da fundação da FCA, em 2010 Marchionne separou do grupo e transformou em uma empresa independente as divisões de caminhões e ônibus (Iveco), motores diesel (FPT) e de máquinas agrícolas e rodoviárias (Case e New Holland), hoje unidas na CNH Industrial – da qual Machionne também era o CEO global e agora será substituído pela britânica Suzanne Heyywood.
Após deixar o comando da FCA em 2019 como estava previsto, Marchionne pretendia seguir como CEO da Ferrari, outra divisão que ele separou do grupo há dois anos. “Vou continuar sendo uma pessoa muito ocupada”, dizia. Agora o posto será assumido por Louis Camilleri e John Elkann ficará na presidência do conselho.
No início de junho passado, quando divulgou os planos da FCA para os próximos cinco anos e foi questionado sobre como o programa poderia ser implementado sem o comando de seu principal mentor, Marchionne respondeu dizendo que confiava na herança de superação que deixa para seu sucessor, mesmo sem saber que deixaria tão rápido a “regência” de sua “orquestra corporativa”:
“O que nos torna diferentes é que somos sobreviventes. As origens da FCA são de pessoas que enfrentaram as mais difíceis situações nos últimos 10 anos, com riscos de perder sua dignidade ou seus empregos… Não preciso deixar um roteiro ou instruções, porque seriam temporários. A FCA tem hoje uma cultura de líderes e empregados que nasceram das adversidades, que hoje operam sem partituras.”