Desemprego tecnológico, impacto ambiental e até falta de órgãos para doação estão entre as consequências dos veículos autônomos, elétricos e conectados
O avanço dos veículos autônomos, elétricos e conectados promete gerar uma série de benefícios à sociedade. Por outro lado, há feitos negativos em potencial que precisam entrar na conta para garantir que o balanço seja positivo. Na lista abaixo, o Mobility Now apresenta quatro desafios que a evolução tecnológica da mobilidade impõe.
1 – Na área da saúde, podem faltar órgãos para doação
Ao eliminar erros humanos, responsáveis por cerca de 95% dos acidentes de trânsito, os carros automatizados prometem salvar vidas e contribuir para o trânsito mais seguro. No entanto, supreendentemente, a melhoria pode trazer um efeito indesejado para a área da saúde: instituições e especialistas no tema apontam que a tecnologia poderá reduzir a disponibilidade de órgãos para transplante.
Segundo o Ministério da Saúde, uma pessoa se torna doadora quando ocorre a morte encefálica, tipicamente causada por acidente vascular cerebral (AVC) ou danos na cabeça em decorrência de acidentes de carro, moto ou quedas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 1,35 milhão de pessoas morrem a cada ano em decorrência de acidentes no trânsito. No Brasil, esse número é de 30 mil por ano. Ao mesmo tempo, a fila de espera do SUS por um transplante de órgão tem crescido. Em julho do ano passado, mais de 46 mil pessoas aguardavam o procedimento.
Com isso, ao mesmo tempo em que o carro autônomo vai salvar vidas no trânsito, a chegada da tecnologia pode criar uma carência maior no sistema de transplantes de órgãos. Para equilibrar essa balança e garantir saldo positivo na preservação da vida, a medicina tem estudado novas soluções. Uma abordagem é regenerar órgãos doentes, a partir do enxerto de células-tronco, para que não precisem ser substituídos. Outro caminho promissor, mas ainda incerto e polêmico, é a bioimpressão 3D, que já foi testada para imprimir tecidos, ossos e até coração.
2 – Depois das redes sociais, os carros serão a nova ameaça à privacidade
O celular não é mais o único meio de descobrir informações sobre uma pessoa. Com tudo conectado, os novos veículos conseguem obter até mais dados sobre seus usuários do que um smartphone, como debatemos nesta matéria. E o pior, diferentemente do que acontece com um celular, a exposição de um carro a um ataque hacker tem potencial para colocar a vida dos ocupantes em risco, já que os invasores podem encontrar meios de assumir o controle do carro a distância.
Montadoras coletam informações pessoais (biometria, gravação de voz, peso e altura, scanner do rosto); informações de localização (rotas habituais, locais de estacionamento); e dados de comportamento do motorista (aceleração e desaceleração, velocidade, portas abertas, quando e onde luzes foram acesas etc).
De acordo com uma pesquisa da Parkers.co.uk, maior site para compradores de carro da Grã-Bretanha, 75% dos motoristas não querem esses sistemas em seus carros, principalmente se os dados coletados puderem afetar o valor do seguro do veículo.
Especialistas e organizações de cibersegurança questionam o uso desses dados por fabricantes de veículos e empresas terceirizadas. Atualmente, o comprador do carro assina um contrato concordando com a coleta de dados, mas segundo a pesquisa, apenas 10% dos motoristas dizem saber sobre esse termo.
3 – O desemprego tecnológico vai acertar em cheio países em desenvolvimento
Por mais que as empresas busquem tranquilizar seus colaboradores, a verdade é que o desemprego tecnológico é uma tendência preocupante para o futuro da indústria automotiva. Um estudo recente da Volkswagen analisou os efeitos da automação na produção de carros elétricos no quadro de funcionários na Alemanha. A empresa concluiu que pode chegar a ter decréscimo de 12% no número de colaboradores, com mais contrações nas áreas de produção e logística (10%).
Isso sem contar o efeito da tecnologia fora da indústria automotiva. A chegada de carros autônomos, por exemplo, poderá extinguir no longo prazo a possibilidade de que pessoas gerem renda como motoristas.
Segundo relatório da McKinsey, de 2019, o setor automotivo é um dos que tem maior incorporação da Inteligência Artificial (AI), 76% das empresas adotaram ou planejam implementar soluções de alta tecnologia. Por causa disso, a consultoria estima que a redução de empregos no segmento será de 18% a 28% nos próximos anos.
Mais importante do que o corte de vagas, é o fato de que as oportunidades de trabalho serão abertas para pessoas com mais qualificação. O historiador Yuval Noah Harari, autor de livros como Sapiens e Homo Deus, aborda o assunto em suas palestras:
“A revolução da inteligência artificial vai criar imensa riqueza na Califórnia, na China, mas falhará em países em desenvolvimento. Antes, esses países poderiam fazer riqueza com o a mão de obra das pessoas”, diz.
Segundo ele, “governos precisam atuar para proteger as pessoas dos impactos negativos da revolução tecnológica”. Tudo porque se a demanda por alguns perfis de profissionais tende a diminuir, a procura por outras especialidades será crescente.
Com a previsão de alta nas vendas global dos carros elétricos nos próximos anos, o relatório da Volkswagen indica que surgirão boas oportunidades aos profissionais especialistas em TI e novas tecnologias, com previsão de aumento de 5% nas vagas dessas áreas. Para a consultoria, o saldo de empregos globais deverá alcançar novo equilíbrio até 2030. A McKinsey estima a perda de 20% nos empregos, mas com ganhos na mesma proporção até lá.
4 – Baterias de carros elétricos trazem mais um desafio ambiental
Apesar de os veículos elétricos serem a grande aposta para a mobilidade mais sustentável, o descarte das baterias destes modelos ainda é uma questão a ser resolvida. Em média, o componente tem durabilidade de dez anos e pode ter mais algumas décadas de uso em aplicações menos severas do que a mobilidade. Ainda assim, são poucos os projetos para reaproveitamento e reciclagem das baterias.
O problema pode ser bastante relevante no Brasil, que já carrega a triste tradição de ser o maior produtor de lixo eletrônico da América Latina. O país produz 1,5 milhão de toneladas por ano, mas apenas 3% são descartados corretamente, segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU).
Já na China, por exemplo, o problema pode ser muito menor. O país asiático é o maior do mundo em reciclagem de lixo eletrônico. O problema é tão complicado de ser resolvido que, ao considerar ao impacto biológico da produção até o descarte das baterias, além das diferentes fontes de geração de energia para abastecer os carros, que nem sempre são limpas, especialistas em sustentabilidade questionam o se os veículos elétricos são realmente mais benéficos ao meio ambiente do que os modelos a combustão.