Eletrificação supera desinformação e evolui no Brasil

Painel no Up Next aponta que brasileiro aprova tecnologia, apesar de infraestrutura precária e até do desconhecimento

Vitor Matsubara

Vitor Matsubara

Painel no Up Next aponta que brasileiro aprova tecnologia, apesar de infraestrutura precária e até do desconhecimento

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Apesar das dificuldades, o cenário da eletrificação melhorou consideravelmente nos últimos anos. Essa foi uma das conclusões do painel “O que o Brasil já aprendeu sobre carros elétricos”, realizado durante o Up Next Eletrificados, evento realizado por Automotive Business em São Paulo (SP).


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Participaram da conversa Alexandre Oliveira, diretor de vendas e desenvolvimento de rede da GWM Brasil; Fernando Pfeiffer, diretor de estratégia de negócios EVs da 99; Henrique Lacerda, fleet & mobility manager do Mercado Livre; e Laura Bozzari, head de marketing e planejamento estratégico da Enel X. A mediação foi realizada por Fernando Miragaya, editor de soluções de conteúdo da Automotive Business.

Carregadores devem ser rentáveis para todos

Eletrificar a frota brasileira é um desafio encarado por todas as empresas que participaram deste painel. No entanto, a Enel X é uma das que mais vivenciam as dificuldades deste processo por atuar diretamente no desenvolvimento da infraestrutura no país.

Laura Bozzari lidera o planejamento estratégico da companhia e está acostumada a ouvir reclamações de usuários sobre o não funcionamento de milhares de pontos de carregamento pelo Brasil. Para ela, isso é reflexo de uma postura equivocada adotada por algumas empresas anos atrás.

“As montadoras instalaram pontos de recarga como ações de marketing que foram esquecidas e não receberam a devida atenção e manutenção. O que precisamos fazer para melhorar essa experiência é o básico que todas as empresas deveriam fazer: investir na experiência do produto e no atendimento e fornecer serviços adicionais à recarga. É nossa tarefa estudar bem o cliente para fornecer soluções diferentes”.

A cobrança pela recarga também é um ponto essencial destacado por Laura.

“É preciso ter um retorno de negócio para as empresas porque, senão, a conta não fecha. O motorista percebe que isso não é algo que se pode fazer de graça porque não é um serviço viável a longo prazo. É importante buscar modelos de negócios que sejam rentáveis e sustentáveis para o consumidor final”, diz.

Hub de recarga em área carente do serviço

Em fevereiro deste ano, a Enel X inaugurou um enorme hub com diversas estações de carregamento para carros híbridos e elétricos. O local está dentro do estacionamento de um shopping center (o SP Market) de São Paulo, e a escolha não foi por acaso.

“Antes da inauguração fizemos uma pesquisa de localização e identificamos que, na Zona Sul da cidade, havia uma carência na oferta de recarga”, revela Laura.

O passo seguinte foi consultar tanto os motoristas de aplicativo quanto as empresas com frotas de carros eletrificados para descobrirem suas necessidades.

“Algumas empresas gostariam que seus carros pernoitassem, mas o motorista particular deseja fazer a recarga enquanto vai às compras. Já o motorista de aplicativo quer realizar uma recarga rápida para perder menos tempo do seu trabalho. Então, criamos um local com segurança e em local fechado que oferece opções de recarga lenta e rápida”.

Desafio é provar que investimento vale a pena

A 99 foi uma das primeiras empresas de mobilidade a comprar a ideia da eletrificação de sua frota. Só que o desafio era ainda maior porque o cliente em questão não era uma empresa, e sim o motorista de aplicativo, que muitas vezes sofre para ter uma renda diante dos gastos mensais com o veículo.

“Nós sabemos que é complicado o motorista fazer um investimento que no Brasil é de, no mínimo, 150 mil reais sem ter a garantia da rentabilidade e do fato de existir um financiamento importante para pagar”, admite Fernando Pfeiffer, da 99.

A estratégia consistiu em dialogar com todas as partes envolvidas no cenário. “Conseguimos mitigar o risco possibilitando às locadoras a praticarem um valor muito mais acessível na locação do carro”, lembra.

Na ponta do lápis

Fazendo as contas, a 99 (que recentemente revisou sua projeção para veículos elétricos) entendeu que um motorista de aplicativo roda, em média, 6 mil km por mês, o que equivale a um gasto médio mensal de R$ 3.600 com combustível. De acordo com a 99, a economia com um carro elétrico pode chegar a 80% (ou R$ 2.500) por mês.

“Isso é suficiente para que ele pague o sobrepreço da locação, que é naturalmente mais caro pelo bem custar o dobro, e ainda assim ter 25% a mais de lucro”, diz Pfeiffer.

A 99 calcula que, em dois anos, mais de 3 milhões de viagens com carros elétricos foram realizadas pelos motoristas. Além de fomentar a descarbonização da frota circulante, a empresa acredita que a presença dos carros elétricos pelas ruas paulistanas pode ser positiva até para as montadoras.

“É praticamente um showroom ambulante porque muitos clientes 5.0 se interessam pelo carro elétrico após realizarem uma corrida com nós”, acredita o executivo.

“No fim das contas, criamos um ciclo virtuoso no qual todos os parceiros garantem sua rentabilidade e uma forma sustentável de escalar a mobilidade elétrica”. 

Transportador precisa entender virtudes do carro elétrico

Quem também está empenhado na descarbonização de sua frota é o Mercado Livre. Recentemente, a empresa (que oferece entrega expressa de muitos produtos no dia seguinte) adquiriu veículos elétricos para realizarem as entregas de última milha (last mile).

Embora reconheça que o custo é um fator que impede o aumento da frota eletrificada, a companhia realiza um trabalho extenso de educação de seus parceiros para mostrar as vantagens de adquirir e utilizar um veículo eletrificado nas entregas.

“Realizamos uma entrega técnica bastante diferenciada para convencê-lo dos benefícios. Em vez de falar sobre a infraestrutura é mais prudente abordar a importância do ecossistema porque trabalhar de forma conjunta vai fazer toda a diferença para escalar esse modelo, que vai ser um fator fundamental para trabalhar essa descarbonização”, disse Henrique Lacerda.

O executivo revelou a existência de uma mudança de comportamento do transportador na aquisição do veículo.

“Historicamente eles gostavam de financiar o carro e ficar com o bem ao final do contrato. Na eletrificação existe mais a tendência de aluguel pelo medo de como o veículo estará daqui a cinco anos”, pondera. 

Para GWM, brasileiro ‘já tinha vontade’ de ter carro eletrificado

Todas as empresas sabem que o consumidor brasileiro é ávido por novidades. Isso encheu a GWM Brasil de confiança mesmo diante do desafio de lançar uma marca completamente desconhecida no país.

O otimismo era tamanho a ponto de o plano de negócios para cá projetar o dobro do volume inicial de vendas estimado pelos chineses, que era de 3 mil carros. Mas nem os executivos da GWM do Brasil esperavam por uma aceitação tão positiva: 13 mil unidades foram comercializadas nos primeiros meses de operação.

“O brasileiro já tinha essa vontade de ter um carro eletrificado e não tinha a possibilidade de adquiri-lo porque a tecnologia não era acessível”, acredita Alexandre.

Os bons resultados fizeram a marca chinesa seguir na estratégia, tanto que todos os próximos lançamentos da GWM são eletrificados. “Existem modelos com motores a combustão lá fora, mas não temos intenção alguma de trazê-los para cá”, avisa o execuivo da montadora.