Depois da crise de oferta de semicondutores, setor automotivo encara agrura da falta de demanda

No #ABX22, Anfavea, Sindipeças e Bright Consulting apontam que a indústria caminha para a recuperação, mas em meio a muitos desafios

Lucia Camargo Nunes

Lucia Camargo Nunes

No #ABX22, Anfavea, Sindipeças e Bright Consulting apontam que a indústria caminha para a recuperação, mas em meio a muitos desafios

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Em um momento de recuperação, com uma retomada mais consistente da produção de veículos e estabilização da oferta de componentes, o mercado automotivo enfrenta desafios de demanda e crédito.
“Pela primeira vez desde o começo da pandemia, nos reunimos em um evento sem nenhuma fábrica parada, enquanto algumas operam com terceiro turno”, comemorou Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea, durante o #ABX22 – Automotive Business Experience, em São Paulo.

É o que ele chama de otimismo moderado. Se por um lado a escassez de semicondutores começa a esboçar um alívio, os desafios continuam.

Leite afirma que a crise da falta de chips eletrônicos ficou para trás. Com a inauguração de novas empresas oferecendo os componentes, há uma menor tendência de paralisações nas fábricas de veículos por falta de peças, diz.

“Temos um cenário de normalização. Hoje pensamos mais na demanda do que na produção. Ainda assim, há desafios com semicondutores, borracha e resina, entre outros”, admite Leite.

O presidente do Sindipeças, Cláudio Sahad, concorda que o pior já passou. Com a redução da demanda de semicondutores por outras indústrias, o componente passa a ser direcionado ao setor automotivo. “Importante ressaltar que a parada das montadoras foi por componentes importados, não nacionais, e caminhamos para normalidade”, comenta Sahad.

Já para Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting, a crise de logística e abastecimento deve se prolongar além de 2023, por isso as empresas precisam ter cuidados e gestão na área de suprimentos.
Ele diz que a indústria já opera com volume próximo a 84% da pré-pandemia, mas o estoques continuam baixos, 50% do que era em 2019. 

Carros elétricos no Brasil

A eletrificação e o papel do Brasil nesse cenário é um tema sempre presente nas discussões. Para o CEO da Bright Consulting, o Brasil caminha mais devagar do que mercados europeus. 

“Enquanto temos 120 mil veículos eletrificados rodando, apenas 12 mil são os 100% elétricos. Estamos ainda em patamar de nicho, com preços elevados”, avalia. Por isso, Cardamone acredita que a adesão à tecnologia no Brasil vai ser diferente de outras regiões. 

“Nossa visão é que, em 2030, 65% das vendas globais serão de veículos eletrificados enquanto o Brasil terá cerca de 30%. Hoje o Brasil tem 5% e o mundo, 30%”, cita.
Márcio Leite concorda e complementa: “Consumidor quer ter acesso, mas devemos pensar na indústria brasileira, que tem o etanol como aliado à descarbonização. Isso pode gerar produtos a preços mais baixos e trazer as pessoas para a compra do automóvel”, afirma. 

Na visão do Sindipeças, a descarbonização pode vir de diferentes rotas tecnológicas, e o Brasil tem vantagens competitivas em relação aos EUA, Ásia e Europa. 

“O futuro da mobilidade é eclética e não elétrica”, define Cardamone. 

Por exemplo, as soluções para o segmento de pesados são diferentes em relação ao segmento de leves. Cada país vai seguir padrões diferentes, conforme a capacidade de renda, de investimento em infraestrutura e suas particularidades.
“Acredito que o Brasil vai seguir a rota da hibridização leve até chegar à eletrificação pura. Precisamos incentivar a célula a combustível a hidrogênio, tecnologia que deve ser fomentada pelo governo para que lidere essa área também para exportações”, diz o CEO da Bright. 

Exportar veículos a combustão

A venda para novos mercados, aliás, é outra oportunidade que a indústria mira. “Buscamos oportunidades em países que deixarão de produzir veículos a combustão, temos mercado e fornecedores”, afirma Márcio de Lima Leite.
Ele cita que o mundo hoje tem uma capacidade instalada para 140 milhões de veículos, mas absorve 80 milhões. Parte desse potencial será ocupado por carros elétricos e vai sobrar uma demanda natural de veículos a combustão de 20 a 25 milhões, pelo menos, nos próximos anos. 

“Quem vai alcançar essa demanda? Quem vai fornecer produtos para esses países que não vão estar na eletrificação nos próximos 10, 15 anos, países em desenvolvimento? O Brasil é um fortíssimo candidato pela alta qualidade e pela tecnologia de nossos produtos e custo para abastecer esses mercados. Então, temos uma oportunidade de ouro nos próximos anos de fornecer do Brasil veículos para o restante do mundo que não estará na eletrificação”, esclarece Leite. 

O presidente da Anfavea acredita que a produção de elétricos no Brasil será baixa nos próximos cinco a dez anos. “Os investimentos aqui são elevados e os países estão concentrando esses aportes onde não há alternativas, como na Europa e Ásia. Nós temos soluções tão eficientes quanto a eletrificação, que são os biocombustíveis e provavelmente receberemos menos investimentos em eletrificação. Isso é uma realidade.”

Ociosidade: como resolver?

Uma das questões que mais impacta as empresas é a ociosidade da indústria. Nas décadas passadas, grandes fabricantes de veículos fizeram investimentos para que o país tivesse potencial maior de produção. Com isso, o Brasil tem hoje uma capacidade instalada de quase 5 milhões de veículos e atualmente não utiliza nem a metade. 

“Hoje produzimos veículos mais caros, em menor volume. Em contrapartida, o consumidor migra para o segmento de modelos mais velhos, acima de 10 anos de uso. Houve também um forte crescimento das motocicletas. O desafio é trazer o consumo para produtos de uma classe menos favorecida. Precisamos alcançar volumes mais significativos para que a indústria não se distancie dos 4 ou 5 milhões”, avalia Leite. 

Existe capacidade e fornecedores, mas falta mercado

Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting, afirma que os 4 a 5 milhões foram desenhados para outra ocasião. “O mercado de hoje, o mix de produtos, é diferente de quando o volume de produção foi projetado, além de toda a evolução dos preços dos veículos.”

Ele cita que hoje temos capacidade para 4,2 milhões de veículos e produzimos 50% disso. “Se tudo correr bem, em 2030, poderemos produzir 75% da capacidade”, estima. 

O Programa Renovar voltado à renovação da frota de caminhões, de acordo com o presidente da Anfavea, será uma das saídas para ajudar nos volumes. “É um projeto espetacular, pilar fundamental, muito focado em emissões. Hoje temos veículos que poluem 23 vezes mais que um novo. Um programa desses, estimula a retirada de caminhões com mais de 30 anos das ruas, estimula o caminhoneiro”, afirma Leite. 

A Anfavea também estuda uma forma de fazer o carro ser mais acessível. Leite diz que a indústria estuda isso. “A médio prazo, o Brasil voltará a ser competitivo nesse segmento para baixa renda, que deve explodir, ter um crescimento muito significativo porque há uma demanda reprimida muito elevada”, pontua o presidente da entidade. “Este é um tema que a Anfavea tem enfrentado como uma necessidade para o mercado.”

O setor de autopeças, por sua vez, tem sido impulsionado pelo mercado de reposição e exportações. O presidente do Sindipeças, Cláudio Sahad, enxerga dois desafios: conjuntural e estrutural. Desde a ameaça de uma recessão mundial, problemas com a guerra e com a energia na Europa, que trouxeram desarranjos na cadeia produtiva. 

Ao mesmo tempo, esse cenário criou oportunidades para as empresas aumentarem seus volumes e que agora se veem preocupadas com o aumento das taxas de juros, que podem desacelerar a atividade econômica em 2023.


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