Alegando isonomia na concorrência, fabricantes do Sul e do Sudeste defendem em Brasília (DF) alteração no texto do regime regional
As montadoras de automóveis instaladas nas regiões Sul e Sudeste do país articulam para que haja mudanças no modelo de concessão de incentivos fiscais às fabricantes que mantém operação no Nordeste. Nessa guerra fiscal, a ideia é que o benefício passe a contemplar, a partir de 2025, apenas a produção de veículos híbridos ou elétricos.
No início de julho, nos dias que antecederam a aprovação da PEC da reforma tributária na Câmara dos Deputados, foi adicionada à emenda um texto complementar que tratava da extensão dos benefícios atuais até 2032, o qual foi rejeitado em votação realizada na casa, em Brasília (DF).
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Segundo fonte ligada às montadoras, é tido como certo pelas empresas que o governo federal, na esteira de sua agenda de industrialização no Nordeste, incluirá novamente na PEC um texto que sugere a renovação do incentivo regional nos moldes atuais.
A estratégia das fabricantes contrárias aos incentivos às montadoras do Nordeste não seria mais sobre a extinção deles, mas buscar a adaptação do escopo original. Em vez de incentivar, via redução de tributos federais, a produção de veículos flex, o programa de desenvolvimento regional passaria a incidir apenas em projetos que envolvem eletrificação.
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“As montadoras já mobilizaram senadores para votar contra [a renovação dos incentivos]. O que elas já estão propondo é a concessão de incentivos apenas para novas tecnologias”, disse o interlocutor à reportagem. “Equilibra a concorrência e estimula a descarbonização no país.”
Caso o desejo das montadoras se materialize pelas mãos dos senadores, os incentivos passam a ter aderência aos negócios da BYD na região, já que a montadora chinesa confirmou que produzirá veículos elétricos na Bahia.
Stellantis em Pernambuco: alvo preferencial?
Nesses moldes, os incentivos também podem acelerar a produção de elétricos e híbridos de outra montadora instalada na região, no caso a Stellantis. A empresa tem sido vista pelas demais concorrentes como única beneficiária dos incentivos do Nordeste e que, portanto, estaria desfrutando de uma vantagem fiscal que as demais não teriam.
A montadora, no entanto, deve começar a produzir veículos em plataformas híbridas/elétricas no ano que vem. Caso essa produção ocorra em sua unidade instalada em Goiana (PE), ela também seria estimulada por esse formato de benefício fiscal proposto pelas fabricantes do Sul e do Sudeste.
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O Regime Automotivo do Norte, Nordeste e Centro-Oeste foi criado nos anos 1990 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, com duração inicial até 2010. O objetivo era atrair fabricantes de veículos para as regiões.
Foi aproveitado inicialmente pela HPE (montadora de veículos Mitsubishi e Suzuki) em Catalão (GO), pela Ford em Camaçari (BA) e Caoa-Hyundai em Anápolis (GO). Em 2009 o regime foi estendido até 2020 pela gestão do presidente Lula, que no fim de 2010 promoveu outra modificação na legislação para acomodar a entrada da Fiat.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o volume de recursos direcionados às políticas automotivas desde 2010 ultrapassou R$ 50 bilhões, ou R$ 5 bilhões ao ano.
Auditoria do tribunal realizada em 2020 concluiu que as políticas públicas regionais apresentam deficiências em aspectos estruturantes, como uma formulação sem objetivos concretos, metas, indicadores e prazos. O TCU também considerou que “falta um modelo lógico que explique como elas interviriam positivamente na realidade social”.
Esse argumento, segundo a fonte ouvida pela reportagem, está sendo utilizado pelas montadoras do Sul e do Sudeste para demover os senadores da aprovação da vigência dos incentivos do Nordeste até 2032. A aprovação da PEC pelo Senado deverá ocorrer até novembro.