Soluções combinadas, inclusive os híbridos flex, são oportunidades para colocar o Brasil como protagonista na descarbonização
A Europa reduziu a marcha e desacelerou a eletrificação. Marcas reveem estratégias, voltam atrás em metas e falam até em retomar híbridos. Quais são as lições que o Brasil tira disso? Este foi o tema discutido no painel “Transição energética – aprendizados da eletrificação na Europa e o futuro do carro elétrico” no Automotive Business Experience – #ABX24.
Masao Ukon, sócio da BCG, observa uma redução do crescimento de veículos puramente elétricos na Europa devido a alguns fatores: questões macroeconômicas, mudança na política de incentivos e questões mais estruturais, como infraestrutura.
“A primeira onda de adoção foi mais fácil de incorporar vendas. A segunda onda teve expectativas um pouco mais elevadas. Para alguns, era o único carro da família, então infraestrutura de carregamento é um tema importante também e a própria questão de valor residual do veículo”, explica.
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Para ele, o Brasil saiu na frente nessa dimensão, porque já discute há alguns anos os biocombustíveis e a convivência de múltiplas tecnologias, híbridos flex, por exemplo, que permitem o melhor dos dois mundos: eletrificar o motor e ao mesmo tempo trazer um combustível renovável. “O Brasil tem lições para exportar nesse caso específico”, comenta Ukon.
Ao mesmo tempo, para o Brasil fica a lição dos desafios da infraestrutura, o ciclo de vida do carro e a questão macroeconômica, como se preparar para esses crescimentos que vão acontecer, mas de forma mais sustentável e menos disruptiva.
Infraestrutura de recarga é o principal gargalo
Segundo Murilo Briganti, COO da Bright Consulting, nos últimos três anos a participação dos veículos plug-in estagnou em torno de 20%.
No caso da infraestrutura, não é só quantidade ou a qualidade. Há carregadores quebrados, sem manutenção. São poucos os com sistema de recarga rápida, o que resulta em uma barreira ao consumidor que usa o carro para viajar.
“Temos uma questão cultural para entender: como ensinar o usuário a entender os prós e os contras de cada veículo eletrificado? Desde o híbrido-leve até o veículo puramente elétrico, qual é o melhor para aquele tipo de uso no dia a dia, para aquele perfil de usuário?”, questiona.
Além disso, existe uma decepção com o híbrido plug-in porque o carro funciona basicamente a combustão e esse motor é fraco. “Esse é o ponto principal, não só das tecnologias, mas também como disseminar a informação em prol do consumidor para ele entender bem quais são as tecnologias que mais se adequam à sua realidade.”
Brasil tem solução combinada
O Brasil, contudo, tem algumas vantagens extremamente competitivas. Para Wesley Palma, diretor de operações da Horse Brasil, com tantos investimentos, a indústria caminha numa direção de uma solução combinada.
Enquanto os elétricos são uma solução para grandes centros, o Brasil, de dimensões continentais conta com seu “ouro verde”, o etanol.
“É uma grande solução que permite reduzir tanto a emissão de CO2 quanto a emissão de gases de efeito estufa, inclusive para mais de 50% em muitos casos, e que se torna extremamente competitivo em eficiência quanto um elétrico, principalmente quando você olha do poço ao túmulo.”
Então, o etanol e os biocombustíveis, assim como o biodiesel, são uma grande vantagem. Uma segunda vantagem é acreditar que a descarbonização tem muitos caminhos. Passa pela eletrificação, pela eficiência dos próprios motores a combustão, que ainda vão ter um longo tempo de vida em países como o Brasil e na América Latina.
No futuro, um desses caminhos passa pelo hidrogênio para o qual o Brasil tem grande poder competitivo, por causa de sua matriz energética que é 90% renovável. “Creio que nós vamos num caminho, e por que não, sermos fonte de inspiração para outros países?”
Quanto à eletrificação, ela vai acontecer, reforça Palma. “Hoje a pergunta é: com qual velocidade?”
Para o diretor da Horse, não se trata só de elétrico puro, mas também a hibridização e o “range extender”, solução para rodar em elétrico com a flexibilidade da autonomia de um motor térmico. “Sem dúvida nenhuma, a eletrificação é um caminho, mas uma combinação de várias soluções e numa velocidade diferente conforme a região”, afirma.
Pelas projeções da Bright, 70% a 75% das vendas vão ser eletrificadas até 2030, com a ênfase nos híbridos leves, por uma questão de custo, pelo ganho de eficiência e pelo potencial com o etanol.
Considerando que a frota deverá ser de 55 milhões de veículos em 2030, 85% ainda serão equipados com motor de combustão e 15%, eletrificados. “Precisamos pensar em maneiras de descarbonizar a frota como um todo, seja numa renovação de frota, seja na utilização de biocombustíveis, incentivando o etanol, por exemplo”, diz Briganti.
Incentivos para uso do etanol
Mas quando se fala em etanol, existe o desafio de como convencer o consumidor a abastecer com o combustível vegetal, que hoje fica com 30% apenas da preferência.
Masao lembra que 75% da frota circulante é de veículos flex. E o fator custo influencia esse mix.
Briganti sugere incentivar etanol para o consumidor ter desconto nas revisões ou na parcela do financiamento do carro ou receber um acessório. “Precisaria ter um elo entre todos os players da cadeia para fomentar esse usuário e crescer o uso do etanol.”
Palma complementa com uma observação relevante: um híbrido leve rodando a etanol pode chegar muito próximo, olhando do poço ao túmulo, de um elétrico puro. “Nossa grande vantagem, e eu insisto nisso, é que nós estamos entendendo que a nossa luta não é contra o elétrico ou térmico, a nossa luta é contra o carbono.”
Além disso, lembra o COO da Bright, a vantagem do híbrido ou do híbrido leve é serem menos complexos, terem baterias menores, as quais podem ser produzidas aqui. “Se a gente não quiser virar um importador de veículos e manter a nossa indústria forte e rodando, a gente tem que pensar como juntar todo o ecossistema e como gerar tecnologia aqui.”
Ukon finaliza avaliando que o Brasil tem uma posição única de combinar eletrificação (híbrido leve ou híbrido) com biocombustíveis. O híbrido flex é, em sua opinião, um ativo que permite acelerar a decarbonização a um custo mais acessível, seja de investimento ou para o próprio consumidor final e deve ser explorado a fundo nos próximos anos.