Do que o Brasil precisa para acelerar o mercado de veículos elétricos

Cenário para 2022 é otimista, porém extremamente desafiador

Victor Bianchin

Victor Bianchin

Cenário para 2022 é otimista, porém extremamente desafiador

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O ano passado histórico para a mobilidade elétrica. Montadoras de todo o mundo anunciaram planos milionários no médio prazo para transicionar suas frotas, startups com produtos inovadores começaram a aparecer e modelos blockbuster, como o F-150 Lightning, foram lançados com grande sucesso. Além disso, a pressão mundial para combater o aquecimento global resultou em enrijecimento das metas contra emissões na Europa e nos EUA, outro fator que favoreceu os elétricos.

E no Brasil? Bem, por aqui essa revolução anda bem mais modesta. Segundo a ABVE (Associação brasileira do Veículo Elétrico), foram emplacados 34.990 automóveis e veículos comerciais leves elétricos no país no ano passado, um recorde. Isso é 77% a mais do que em 2020. A frota de eletrificados no país já é de 77 mil veículos.

No entanto, as vendas de 2021 representam apenas 1,77% do total de emplacamentos do segmento no ano, que foi de 1.974.431 carros e comerciais leves, segundo a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores). Pior: dos carros elétricos vendidos, a esmagadora maioria ainda é de híbridos, com apenas 8% sendo os elétricos puros, chamados de BEVs (da sigla Battery Electric Vehicle). 

Para efeito de comparação, no ano passado, nos EUA, os híbridos representaram 5% do total de vendas de carros leves e os BEVs, 3%, segundo dados da consultoria Ward Intelligence.

Ou seja: ainda andamos a passos de formiga. O que é preciso para mudar essa situação?

Uma questão política

“Hoje, os poucos incentivos para elétricos são de nível municipal, feitos pelas prefeituras, como a Lei do Clima de São Paulo, que dá benefícios como isenção do rodízio, isenção de IPVA, etc.”, observa Adalberto Maluf, presidente da ABVE. Ele diz que, no Brasil, há uma vocação para os híbridos. “Os biocombustíveis no Brasil são limpos, renováveis, então temos que ampliar o uso e aí talvez esteja o principal nicho onde a gente consiga fazer essa eletrificação e o adensamento da cadeia produtiva, com os híbridos flex”, sugere.

Maluf afirma que a ABVE tem atuado junto ao Ministério da Economia para trabalhar a questão do IPI. “Hoje, um carro elétrico puro tende a pagar até o dobro de IPI do que o carro flex mais simples, sendo que 70% das pessoas usam gasolina nos veículos flex. Então, a ABVE considera que esse tipo de incentivo não vem cumprindo seus objetivos. Mas a gente entende também que o cenário fiscal brasileiro é muito difícil e que, provavelmente, as questões de IPI não devem ser resolvidas no curto prazo”, pondera o presidente.

Mas há pelo menos uma boa notícia na questão fiscal. Em 2022, entra em vigor uma emenda da Lei 13.755, mais conhecida como Rota 2030, que prevê que os híbridos flex terão uma redução de 3% de IPI no valor nominal. “Isso certamente contribuirá muito para o crescimento dos eletrificados”, afirma Maluf.

País precisa de plano abrangente para veículos elétricos

Para Jomar Napoleão da Silva, consultor da Carcon Automotive, o problema é mais embaixo. “Falta uma estratégia nacional sobre qual o modelo de descarbonização/eletrificação no setor da mobilidade. Os principais mercados mundiais têm uma estratégia bem definida de eletrificação. Recentemente, a Índia lançou um programa de eletrificação que inclui incentivos para a produção local tanto de veículos como de componentes e das baterias”, diz. Ele alerta:

“No Brasil, corremos um sério risco de ficar de fora da corrida por investimentos.”

Vale lembrar que, em novembro do ano passado, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, fez um discurso na abertura da COP26 em que prometeu cortar as emissões de carbono do Brasil em 50% até 2030 e em 100% até 2050. Para atingir esses números, disse que o governo irá atuar em combater o desmatamento, reflorestar áreas de mata nativa e aumentar a participação de energias renováveis na composição da matriz energética. Mas não falou nada sobre investir em carros elétricos.

A falta de uma política nacional contrasta com o que é visto em outros países. O governo da Alemanha dá um subsídio de até 6 mil euros a cada cidadão na compra de um veículo elétrico. Na Austrália, o subsídio é de 3 mil dólares australianos e isenção de três anos no imposto que equivale ao IPVA. No Reino Unido, eram 2.500 libras (cortadas para 1.500 em dezembro). Nos EUA, são US$ 7.500. Na China, o subsídio já foi de US$ 13.500 e depois diminuiu. Na Noruega, onde 9 a cada 10 veículos vendidos são elétricos, os donos não pagam alguns impostos e têm desconto em estacionamentos.

E por aqui? Bem, por aqui, nada. E isso sendo que os veículos eletrificados poderão representar até 62% da frota de carros do país em 2035, segundo estudo recente do BCG encomendado pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). Nesse ritmo, porém, e sem subsídios, vai ficar difícil.

Seguindo em frente

Apesar das dificuldades, Adalberto Maluf avalia como “muito positivo” o cenário em 2021 e credita à iniciativa privada, principalmente por causa da preocupação social e ambiental, o crescimento aferido. “A agenda ESG tem feito com que os frotistas avancem, então empresas estão cada vez mais alugando elétricos. Tivemos uma performance muito boa de locadoras ampliando sua cota. Para 2022, algumas locadoras planejam frota de mais de 2 mil veículos elétricos em operação, o que é um salto muito grande”, projeta ele.

“O grande fator desse crescimento, no caso do Brasil, foi a entrada no mercado dos modelos híbridos da Toyota”, afirma Napoleão da Silva. De fato, o SUV Corolla Cross e a nova versão do Corolla Altis, que chegaram no começo do ano passado, foram os modelos mais vendidos do segmento no Brasil em 2021.

Mercado de elétricos dará novo salto em 2022

Para 2022, a ABVE projeta um crescimento mínimo de 50% nas vendas de elétricos. Em especial, deve crescer a oferta dos modelos puros (BEV), que já tiveram um salto de 23 modelos disponíveis em 2020 para 42 em 2021. A ABVE também espera que esse número suba pelo menos 50%.

Além dos veículos, há a questão dos postos de recarga, que também está se expandindo graças à iniciativa privada. Segundo a ABVE, o número de eletropostos pulou de 500 em 2020 para 850 em 2021 e a previsão é que esse número aumente pelo menos 50% em 2022.

A rede avança lentamente conforme novas empresas entram no jogo. A chinesa BYD, por exemplo, que no primeiro trimestre lança por aqui o carro Tan EV, tem uma rede de recarga com 29 pontos e quer chegar a 35 até o final do ano. Além dela, montadoras como Volvo, Porsche, Audi e Volkswagen têm investido em expandir sua rede. Em breve, chegará também ao mercado nacional os modelos eletrificados da Great Wall Motors, que produzirá veículos em Iracemápolis (SP).