CEO da VW sem medo das montadoras chinesas: “Que venham e contribuam com a indústria local”

Em entrevista exclusiva, Ciro Possobom, que lidera a operação da companhia no Brasil, fala sobre os planos da marca, os movimentos da concorrência e o desafio da descarbonização

Giovanna Riato

Giovanna Riato

Em entrevista exclusiva, Ciro Possobom, que lidera a operação da companhia no Brasil, fala sobre os planos da marca, os movimentos da concorrência e o desafio da descarbonização

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Em 2023, há muitos fatos novos na Volkswagen do Brasil. Primeiro, a empresa começou o ano sem o seu mais icônico modelo, o Gol, que saiu de linha no fim de 2022 após mais de quatro décadas em produção – com 27 anos na liderança de vendas. Além disso, a empresa celebra seus 70 anos de história no Brasil e conta com um novo CEO na área: Ciro Possobom.

Administrador e roqueiro (ele toca guitarra), o executivo é o primeiro brasileiro a ocupar tal posição. Assume em momento de profundas mudanças. Entre elas, como enumera o próprio Possobom, está a necessidade de oferecer veículos descarbonizados, eletrificar a oferta brasileira da marca e gerar novas soluções digitais para os clientes.


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Como se não bastasse, a Volkswagen precisa fazer isso sem levar o resultado financeiro da região de volta para o vermelho – a empresa está no azul há três anos. 

Na entrevista a seguir, o executivo fala dos resultados recentes da organização e dá um vislumbre do que está nos planos da companhia para os próximos anos, incluindo uma empresa local de software. Além disso, Possobom garante não temer o avanço de novas montadoras chinesas no país. “Que venham e ajudem a desenvolver a indústria”, diz.

Você chegou à função de CEO da empresa nos Brasil em 2023, quando a companhia completa 70 anos na região. Que empresa você assumiu e quais resultados tem conseguido construir?

Tem muita coisa positiva na companhia recentemente, como a liderança do Polo como automóvel mais vendido do Brasil em maio. É um trabalho de longo prazo e inclui, por exemplo, a decisão de colocaresse carro em produção na fábrica de Taubaté (SP) e fazer toda a implantação e investimento para esse veículo. Temos uma empresa com portfólio super moderno no mercado, desde o Polo até a Amarok. 


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Na gestão, temos pensado muito do cliente. Há melhora muito forte um pesquisas de vendas de pós-venda. Saímos das últimas posições do ranking e hoje estamos no topo. É bonito ver essa evolução como resultado da transformação do nosso negócio. 

Que espaço a Volkswagen Brasil ocupa globalmente hoje? Qual é o papel da operação local dentro da estratégia global da empresa?

Bastante relevante. Pensando em América do Sul, somos uma empresa de 500 mil veículos por ano. E temos um negócio independente, com engenharia completa que nos permite desenvolver produtos completos na região. Então é importante em volume e cada vez mais importante quando olhamos para o resultado também.

Passamos um período com um pouco dificuldade de resultado, mas os últimos três anos têm sido muito positivos. Com isso, somos cada vez mais relevantes dentro do grupo Volkswagen.

Desde quando a Volkswagen opera no azul no Brasil?
Há três anos. Vamos para o quarto.

Qual é a sua visão sobre a movimentação do governo de fomentar as vendas de carros populares com um novo pacote de incentivos?

É bem importante esse movimento diante do crescimento pequeno previsto para o setor, de mercado praticamente estável em 2 milhões de veículos. Com esse volume, a capacidade ociosa da indústria automotiva gira em torno de 50%, então precisamos fazer alguma coisa. 

O governo tem escutado os setores, Há alta carga tributária sobre os veículos – em torno de 35%, então uma pequena mudança realmente ajuda o mercado. Ainda assim, a demora para o anúncio das medidas ser feito atrapalhou o mercado, com queda forte nas vendas no fim de maio porque o consumidor parou para esperar as medidas.

Qual tende a ser o impacto das medidas?

Quando falamos de incentivo às vendas de carros que custam até R$ 120 mil, isso representa quase metade do mercado, então tende a ter um impacto relevante.

A indústria reclama muito do conhecido custo Brasil e da alta carga tributária que onera a produção local de veículos. Mesmo nesse contexto, a Volkswagen tem conseguido ampliar suas vendas a outros países a partir daqui?

Hoje não. Não ampliamos as exportações em relação ao passado. E isso vale para nós e para muitas outras montadoras. Nós somos os maiores exportadores de veículos do Brasil, mas há desafios nos principais clientes que atendemos a partir daqui. A Argentina, por exemplo, está com dificuldades, com redução expressiva de volumes, então todas as montadoras estão sofrendo. 

Agora, as empresas asiáticas estão vindo muito fortes para o Brasil, e descobrindo a dificuldade de competitividade do setor automotivo aqui no Brasil em relação a outros países. A questão dos impostos é umas delas. Exportamos tributos quando vendemos veículos a outros países, algo que dificulta muito a competitividade. Diante de tudo isso, continuamos exportando bastante, mas poderia ser muito melhor.

Hoje, qual é a participação das exportações na produção de veículos da marca no Brasil?

Cerca de 20%.

A Volkswagen investe atualmente R$ 7 bilhões até 2026. Além de ser destinado ao lançamento de novos carros, esse aporte também vai apoiar o aumento de serviços digitais da companhia. Como está esse processo?

O principal alvo deste investimento, é claro, são os veículos. Estamos falando 15 lançamentos. Já entregamos alguns e outros virão no segundo semestre agora. Mas tem um segundo pilar, que é a digitalização e a conectividade. Temos investido muito na transformação do nosso negócio, que é cada vez mais centrado em software.


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O terceiro pilar do nosso investimento é a descarbonização. E isso vai além da chegada de veículos com menos emissões, e inclui também as nossas fábricas. Há várias iniciativas hoje em curso e nosso centro de pesquisa e desenvolvimento está focado em tecnologias de baixo carbono. O próprio investimento na fábrica de Taubaté (SP) para trocar a plataforma do Gol, que era feita ali, e colocar a plataforma MQB é parte disso.

Nos últimos anos, não só a Volkswagen, mas uma série de montadoras tem buscado o desafio de gerar receitas em outras frentes que não seja só a venda do carro. Vocês têm concretizado esse plano?

Temos trabalhado a digitalização com bastante foco e nos perguntado como agregar serviços ao nosso produto. Antigamente, nosso negócio funcionava com a venda de carros e peças. O mundo está mudando e começamos a avançar em soluções de serviços financeiros com o Volkswagen Financial Services, criamos a fintech Vou que traz solução tanto para nossos fornecedores, quanto para concessionários. No futuro, vamos levar a novidade também aos nossos consumidores, algo que agrega muito ao nosso negócio.

Além disso, há o carro conectado, que tende a gerar muitos serviços. Por exemplo, assim como hoje pagamos um serviço de streaming de música ou filmes, será possível assinar um sistema que mostre no seu celular funções do carro, localização, traga recursos de segurança. Tudo na palma da mão.

Além disso, tem a chegada de todos os sistemas Adas, de assistência à direção, que vão nos permitir a transição para o veículo autônomo no futuro. Vai demorar um pouco, mas essa é outra evolução que abrirá portas para uma série de serviços.

Para criar tantas soluções, é preciso desenvolver novos parceiros. Como está a cadeia de fornecedores da Volkswagen aqui no brasil?

No grupo, criamos uma empresa de software e temos milhares de pessoas trabalhando no desenvolvimento em soluções de tecnologia para o cliente. Estamos fazendo algo bem parecido aqui no Brasil, criando uma empresa de tecnologia aqui também que, em breve, será anunciada. 

Antes mesmo disso, a Volkswagen já é bastante reconhecida nessa área. Por exemplo, a nossa central multimídia, VW Play é diferencial em relação à concorrência. Ver a evolução disso vai ser muito interessante. Estamos trabalhando muito forte nisso, botando mais gente, recrutando engenheiros e especialistas em TI.

Em 2023 a Volkswagen completa 70 anos no Brasil. A empresa é parte da história da indústria automotiva local. Nessas sete décadas, qual foi o maior erro ou aprendizado da companhia? E o maior acerto?

Tivemos grandes acertos como negócio. É uma marca muito forte, com grande reputação no Brasil. Contribuímos muito com a evolução da importância da indústria na economia brasileira, gerando empregos e renda. Passaram pela Volkswagen mais de 200 mil pessoas em 70 anos. Então foram 200 mil famílias afetadas diretamente pela marca. É um legado bonito de ver.

A operação local foi ainda a primeira fábrica da Volkswagen fora da Alemanha e a maior produtora de veículos do Brasil, com 25 milhões de unidades feitas aqui para o mercado interno e para a exportação. Com isso, somos o maior exportador do segmento.

Fomos responsáveis ainda pela chegada do primeiro veículo flex, em 2003, pioneiros na oferta de airbags e freios ABS. A Volkswagen foi também a primeira empresa a implementar o conceito de ter um restaurante dentro da fábrica para os funcionários, algo que não existia na indústria no Brasil. Enfim, muita coisa.

Existem aprendizados também, claro, mas a Volkswagen tem uma história muito vencedora como montadora. Dá orgulho ver os clientes falando dos produtos, acompanhar as muitas histórias que os nossos veículos carregam: desde o Fusca, Brasília e Kombi até agora, com T-Cross, Virtus e Nivus.

Você falou do foco da empresa em descarbonização. Quais são os planos da companhia para o futuro em relação à chegada de modelos com tecnologias mais limpas?

Estamos trabalhando no desenvolvimento de veículos com as mais variadas tecnologias. Desde carro a combustão até modelos híbridos e elétricos. Teremos todas as soluções, sempre pensando no cliente.

Temos responsabilidade com o país, com os empregos e com as com as fábricas para, realmente, oferecer essas soluções. Estamos trabalhando em todas as frentes e, com isso, nosso line up futuro é espetacular. Novos carros híbridos e puramente elétricos chegarão em breve para os nossos clientes.

Algum grande lançamento nessa frente para esse ano?

Teremos bastante novidade ainda no segundo semestre dentro do nosso plano de 15 lançamentos até 2026 (a chegada do elétrico ID.4 foi confirmada pela empresa para o segundo semestre de 2023). Também seremos agressivos no começo do ano que vem. Vamos sempre manter o portfólio muito renovado e acessível para o nosso cliente. 

O setor automotivo vem mudando, tanto do ponto de vista do consumidor quanto das marcas, com o avanço no mercado de novas fabricantes de veículos. De que forma a Volkswagen encara isso? 

Nós somos grandes e vamos continuar assim. A competição faz parte do negócio. Há uma nova onda de marcas e, agora, duas das principais montadoras chinesas estão chegando ao nosso mercado. Faz parte. Nos últimos anos, assim como tem empresa que chega ao Brasil, há marcas que saíram e encerraram a produção local.

O mercado se acomoda e este é um movimento importante. Que novas marcas venham e cresçam aqui, produzindo localmente, ajudando a desenvolver a indústria, com geração de empregos no Brasil, não somente importando carros. 

Como indústria, precisamos de uma cadeia de suprimentos bastante desenvolvida e, quanto mais players ajudarem nesse desenvolvimento, melhor.