Carro elétrico feito no Brasil: realidade imediata ou sonho distante?

Conversamos com especialistas para descobrir se a indústria pode pensar na nacionalização do veículo movido a baterias nos próximos anos

Vitor Matsubara

Vitor Matsubara

Conversamos com especialistas para descobrir se a indústria pode pensar na nacionalização do veículo movido a baterias nos próximos anos

Imagem de Destaque

Produzir um carro elétrico é o sonho de várias fabricantes de automóveis no Brasil. Algumas delas, inclusive, afirmam que vão seguir a estratégia adotada em mercados mais desenvolvidos, nos quais o veículo movido a combustão está com os dias contados.

Aliás, nem é preciso ir tão longe para achar exemplos de eletrificação em curso. Nos últimos meses, a Chery anunciou a produção de veículos elétricos na Argentina, enquanto a Colômbia ganhou as manchetes graças a uma visita de um alto executivo da General Motors, que teria se animado com o que ouviu a respeito da disposição do governo local em apoiar a construção de uma fábrica de carros elétricos no país.

Já o Brasil pouco fez até o momento. Enquanto o governo não concede incentivos para fomentar a produção nacional, as montadoras também não querem correr o risco de realizar altos investimentos em um panorama de retorno incerto – ao menos, por enquanto.

Diante desse cenário, Automotive Business conversou com engenheiros e especialistas do setor para descobrir se a nacionalização do carro elétrico está próxima de acontecer. Ou se ainda há um longo caminho a ser percorrido.

Carro elétrico não mata motores a combustão

Todos os especialistas ouvidos por nossa reportagem concordam que o Brasil tem plenas condições de fabricar um carro elétrico. Entretanto, o setor automotivo deve entender que o veículo zero combustão não representa uma ameaça aos motores a combustão e nem aos híbridos.

“Precisamos desmistificar esse discurso de que o elétrico vai acabar com o veículo a combustão. Isso não acontecerá nem em outros mercados e não existe chance de haver uma troca tão repentina por aqui”, garante Marcus Vinícius Aguiar, presidente da AEA.

O engenheiro diz que não há motivos para preocupação.

“Está se criando uma briga desnecessária. Nada vai ser imposto e o governo não vai impor nenhum tipo de tecnologia”, afirma Aguiar. ”Como AEA, não vemos chance de haver problema para a indústria nacional. Será uma mudança tecnológica, como várias que ocorreram na vida”.


– #ABX23: Inscreva-se já no maior evento do ecossistema automotivo


O discurso de Marcus Vinícius é endossado por Ricardo Bacellar, conselheiro da SAE Brasil.

“O futuro de nossa matriz energética é eclético. Haverá espaço para diversas alternativas, inclusive para a célula de combustível daqui a alguns anos. O consumidor sempre gostou e continuará gostando de ter opções para escolher de acordo com suas necessidades, ainda mais em um país de dimensões continentais como o nosso, repleto de diversidades sócio-econômico-culturais e de infraestrutura”.

Brasil não ficará para trás na América Latina

Questionado sobre as chances de Argentina e Brasil largarem na frente na ‘corrida’ pelo carro elétrico, Marcus Vinicius afirma, categoricamente, que o Brasil é muito superior a seus vizinhos em todos os aspectos.

O executivo ressalta, ainda, que nenhum país da região possui know-how na fabricação de veículos elétricos.

“Não acredito que isso vá acontecer na Argentina, na Colômbia e em nenhum país da América Latina. Mas, se existe um mercado na região mais preparado para iniciar a produção, é claro que é o Brasil, seja pela maior qualidade da nossa engenharia, pelo tamanho do mercado consumidor ou pela capacidade de exportação”.

Além de ser um país com profissionais mais qualificados, o Brasil também tem uma representatividade muito maior na indústria automotiva latino-americana e mundial.

“O Brasil já provou que tem condições de fazer um carro elétrico, desde que haja previsibilidade e planejamento. Com tudo isso em mãos, a gente faz”, pondera Marcus Vinícius Aguiar, presidente da AEA.

Bacellar engrossa o coro e acredita que a competência da engenharia brasileira não seria problema para viabilizar a produção local.

“A engenharia automotiva nacional sempre deu respostas muito positivas aos desafios impostos na sua história. Considerando que um veículo BEV tem uma concepção bem mais simples do ponto de vista do produto, certamente isso não seria um fator preocupante, muito pelo contrário”.

Vamos ter um carro elétrico ‘popular’?

Um dos grandes empecilhos para a popularização do carro elétrico está justamente nos preços salgados.

“As variáveis que vêm dificultando a venda de veículos novos no país, como a queda no poder de compra dos consumidores em potencial, restrição ao crédito e preços elevados dos produtos, se multiplicam por diversas vezes no caso dos carros movidos a eletricidade. Basta comparar o investimento necessário para adquirir o modelo mais acessível do mercado em cada categoria: enquanto o carro elétrico mais barato sai por aproximadamente R$ 150 mil, o veículo movido a combustão custa pouco mais de R$ 60 mil. É mais do que o dobro”, diz Ricardo Bacellar.

Embora esteja longe de ser acessível para a maioria da população que compra automóveis, o carro elétrico no Brasil pode deixar de ser um privilégio para poucos.

Milad Kalume Neto, gerente geral de desenvolvimento da Jato Dynamics, acredita que esse cenário pode melhorar significativamente nos próximos anos.

“Existe um potencial de redução de preços a partir do momento em que houver um volume maior, o que ainda não ocorre no Brasil. Embora seja o maior mercado da América do Sul, ainda é um volume pequeno, na casa de 3,5%, enquanto outros países já têm 6%. Mesmo assim, uma redução nos preços já está acontecendo no Brasil, até por conta do lançamento de carros mais acessíveis com essas tecnologias”.

Nem tudo são flores

Além da instabilidade da economia brasileira, dois importantes empecilhos podem dificultar a produção dos veículos movidos a eletricidade, como aponta Bacellar: as baterias e os microchips. 

“No caso das baterias, a tecnologia utilizada na arquitetura coloca em xeque nossa capacidade de produzir e acompanhar a evolução deste produto. Quanto aos microchips, apesar de alguns tímidos anúncios de construção de plantas locais, fica a grande dúvida se seremos capazes de atender minimamente a demanda interna, principalmente lembrando que um carro elétrico utiliza, em média, sete vezes mais chips que um veículo a combustão”.

Milad, da Jato Dynamics, ressalta que “uma legislação mais contundente e com definições mais claras para o futuro” é essencial. “As regras do jogo precisam estar definidas para termos uma presença mais robusta dos elétricos no nosso mercado”, diz.

Para ele, mesmo em um cenário próximo do ideal, o Brasil não deve ocupar uma posição de protagonismo em relação a países onde a eletrificação está mais avançada.

“Somos um grande incentivador do etanol e dos motores flex. Porém, sendo realista, infelizmente seremos um seguidor de tecnologias nos carros elétricos. Nosso país tem empresas importantes que poderiam ser acionadas, mas acredito que as grandes marcas vão utilizar tecnologias vindas das matrizes. Creio que não teremos nada desenvolvido localmente para ser aplicado em produtos nacionais pelos próximos sete a oito anos”, opina Milad Kalume Neto, gerente geral de desenvolvimento da Jato Dynamics.

Híbrido desponta como mais viável

Enquanto o primeiro carro elétrico não é produzido no Brasil, o híbrido é visto como alternativa mais viável para as montadoras. Seja pelos custos ou pela possibilidade de usar os combustíveis encontrados em qualquer posto.

“Acho que o híbrido (nacional) entrará de forma mais rápida no mercado e sem inviabilizar o elétrico”, diz Marcus Vinícius, da AEA.

O presidente da associação aposta que o número de veículos híbridos nacionais deve crescer substancialmente nos próximos anos. Atualmente, apenas a Toyota fabrica veículos híbridos no país: os Corolla Cross e Corolla sedã são produzidos nas fábricas de Sorocaba e Indaiatuba, respectivamente.

Entretanto, Marcos Vinícius crê que outras montadoras também estão se planejando para produzir híbridos flex a médio prazo.

Wanderlei Marinho, membro da Comissão Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da SAE, concorda com os benefícios da produção nacional do automóvel híbrido. Entretanto, ele ressalta a importância da produção do carro elétrico no Brasil.

“Claro que o híbrido é mais viável, mas não devemos deixar de pleitear a fabricação do carro elétrico. Até porque tudo indica que, nos mercados internacionais, a produção de veículos a combustão deve ser finalizada em poucos anos. Então, se você não investir nisso, você estará prejudicando o próprio desenvolvimento do carro híbrido caso as montadoras parem com a produção dos motores a combustão”, ressalta.

GM defende imposto zero e contraria Anfavea

Em meio ao impasse que se arrasta nos últimos anos, evidentemente cada montadora defende o seu lado. Uma das poucas empresas a se posicionar é a General Motors, uma das grandes entusiastas do carro elétrico como futuro da frota circulante global.

Conforme anunciado pela matriz em 2022, a GM afirmou que venderá apenas carros elétricos em todos os mercados onde atua a partir de 2030 – inclusive no Brasil. Em meio a esse discurso, é claro que a empresa se posicionou contra o fim do imposto zero para veículos movidos a eletricidade.

“Fechar as fronteiras para os veículos no país é fechar as fronteiras para que o consumidor possa experimentar esse tipo de tecnologia e também aos benefícios para o meio ambiente. Esse mercado avança porque há incentivos. Não é bom retirá-los”, disse Santiago Chamorro, presidente da GM América do Sul, durante a convenção de lançamento da nova Montana.

É importante lembrar que tal discurso vai contra ao que é defendido pela Anfavea, associação que representa as montadoras instaladas no país. As fabricantes pretendem apresentar ao governo federal proposta que altera o modelo atual de isenção de imposto para os carros elétricos importados para o Brasil.

O único ponto de convergência entre as posições de Chamorro e da Anfavea surge justamente na produção de veículos zero combustão. O presidente da GM assegurou que produzirá carros elétricos no Brasil, mas reconheceu que a falta de incentivos dificulta o avanço.

“Acreditamos que, com boas políticas governamentais, podemos avançar neste sentido. Precisamos de uma política de industrialização de veículos elétricos, o que ainda não existe. Há um rascunho, por meio do Capítulo 4 do Rota 2030, mas é preciso estabelecer um horizonte para a produção nacional”, enfatiza.