As razões que fizeram de 2023 o ano do carro eletrificado no Brasil

Modelos mais baratos e investimentos em infraestrutura ajudaram a tirar o medo do consumidor brasileiro

Ana Paula Machado

Ana Paula Machado

Modelos mais baratos e investimentos em infraestrutura ajudaram a tirar o medo do consumidor brasileiro

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O ano de 2023 trouxe surpresas para o segmento de veículos eletrificados. Após as vendas de 49,2 mil unidades em 2022, os licenciamentos quase dobraram e os modelos caíram no gosto do consumidor brasileiro.


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A expectativa da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) é de um crescimento de 80% até o fim de 2023, com o volumetotal de 88,8 mil carros. 

“Esse ano, o mercado foi acima das expectativas no Brasil. O volume foi puxado pelos modelos plug-ins, que cresceram muito e representaram 2/3 das vendas”, disse Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira de Veículos Eletrificados (ABVE) e diretor de relações institucionais da chinesa GWM. 

Carros eletrificados se tornam compra racional

E quais as razões para o aumento da procura por carros eletrificados no Brasil? Uma delas, segundo Bastos, é a maior oferta de modelos e a percepção de que ter um veículo eletrificado, além de todo apelo ambiental, é economicamente mais racional do que um automóvel movido a gasolina ou com motor flex. 

“O consumidor está disposto a comprar o carro eletrificado porque quem usa bastante o veículo na cidade tem percebido que o custo menor com combustível compensa o preço maior. Além disso, em 13 estados já há benefícios fiscais, com isenção ou redução do IPVA para quem opta por esses modelos. A compra racional está ganhando força no Brasil”, afirmou Bastos. 

Chinesas massificam o mercado

Esse bom momento dos carros eletrificados no mercado brasileiro também pode ser explicado pela chegada de novos concorrentes chineses ao mercado. BYD e GWM são duas gigantes na China e que vieram para o país com apetite e estratégia. 

As empresas já anunciaram investimentos vultosos no Brasil, com abertura de fábricas e um portfólio que pode conquistar o consumidor brasileiro. Isso porque, com todos os incentivos do governo de Pequim para mudar a matriz energética da China, os fabricantes hoje têm tecnologia de ponta e custo de produção. 

A BYD vai investir R$ 3 bilhões em sua fábrica em Camaçari, na Bahia. A empresa assumiu a unidade que a Ford havia abandonado e deve iniciar a produção no início de 2025. 

Já a GWM estima começar a produzir no país no próximo ano e deve investir R$ 10 bilhões até 2032. Destes, R$ 4 bilhões serão aplicados na fábrica em Iracemápolis, no interior de São Paulo, unidade, que até 2021 pertencia à Mercedes-Benz do Brasil.

A chinesa vai ampliar a capacidade instalada de 20 mil veículos por ano para 100 mil carros anualmente. 

Carros eletrificados mais baratos

Além das fábricas, as chinesas chegaram com modelos mais baratos que os oferecidos até então no mercado. A BYD, por exemplo, lançou o Dolphin, hatch com preço de R$ 150 mil, com tamanho de médio e mais equipado e espaçoso que os subcompactos da Renault, JAC e Caoa Chery.

Em pouco tempo, tornou-se o carro elétrico mais vendido no mercado brasileiro. Em novembro, por exemplo, segundo dados da ABVE, os emplacamentos do Dolphin somaram 1.694, recorde para o modelo. 

O levantamento mostra que a BYD, com os modelos Dolphin, Dolphin Plus e Yuan Plus, foi responsável sozinha por 62% do total dos emplacamentos de veículos totalmente elétricos em novembro. Foram licenciados 3.197 carros. 

Para 2024, a BYD vai trazer um modelo mais barato ainda. A companhia deve lançar o BYD Dolphin Mini ainda no primeiro trimestre do ano, provavelmente em fevereiro, com chegada às concessionárias em março. A expectativa é que o preço do carro deva ficar na faixa dos R$ 100 mil.

Expansão da infraestrutura de recarga

Outro motivo o consumidor brasileiro perder o receio com o carro eletrificado é a infraestrutura de recarga. Bastos ressaltou que ela está crescendo e algumas empresas investem em carregadores rápidos, “o que dá mais segurança para o cliente.”

“Cerca de 60% dos clientes carregam o seu carro ou em casa ou no trabalho e, agora, cada empresa está traçando a sua estratégia para ofertar esses serviços ao consumidor”, disse Bastos. 

A Go Eletric, empresa do grupo Orbitech, por exemplo, terá uma rede de 20 eletropostos no país até o fim de 2024. O primeiro posto de recarga foi instalado em agosto na rodovia Anhanguera, em São Paulo.

No primeiro mês em operação foram realizadas 320 recargas. Número, segundo o presidente da empresa Danilo Guastapaglia, ainda aquém do potencial do local. 

“Neste primeiro eletroposto há dez pontos de recarga com uma capacidade de 524 KW. Estamos no momento do mercado em que estamos apostando”, disse o executivo.

As apostas, segundo ele, devem começar ainda este ano com a inauguração de quatro eletropostos. Guastapaglia disse que até o fim de 2024, os outros pontos de recarga devem ser inaugurados em diferentes regiões do país. 

A Volvo Car também investe pesado em infraestrutura de pontos de carregamento. A companhia vai aplicar R$ 70 milhões para criar uma rede de mais de 100 eletropostos de carga rápida em todas as regiões do Brasil. Hoje, a empresa já reúne uma rede de 1 mil pontos de carga lenta no país. 

“Notamos que 80% dos nossos clientes são novos na marca e chegam pelos elétricos. Ter uma infraestrutura de recarga é fundamental para atrair esse consumidor”, disse o presidente da empresa, Marcelo Godoy. 

Nem tudo são flores

Mas, nem só de alegrias viveu o mercado de eletrificados no Brasil. Em outubro, o governo retirou os descontos na alíquota do Imposto de Importação (II) para esses modelos. O benefício, que vigorava desde 2015, voltará a ser cobrado de forma escalonada em janeiro, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

Segundo o Mdic, as porcentagens de retomada progressiva de tributação vão variar com os níveis de eletrificação e com os processos de produção de cada modelo, além da produção nacional.

Assim, no caso dos carros híbridos, a alíquota do imposto começa com 12% em janeiro de 2024; 25% em julho de 2024; 30% em julho de 2025; e alcança os 35% apenas em julho de 2026.

Para híbridos plug-in, serão 12% em janeiro, 20% em julho, 28% em 2025 e 35% em 2026. Para os elétricos, a sequência é 10%, 18%, 25% e 35%.

Há ainda uma quarta categoria, a de “automóveis elétricos para transporte de carga”, ou caminhões elétricos, que começarão com taxação de 20% em janeiro e chegarão aos 35% já em julho de 2024. Nesse caso, a retomada da alíquota cheia é mais rápida porque existe uma produção nacional suficiente.

Em relação às cotas, o Mdic informou que as empresas têm até julho de 2026 o benefício na importação do veículo eletrificado. 

Para híbridos, as cotas serão de US$ 130 milhões até julho de 2024; de US$ 97 milhões até julho de 2025; e de US$ 43 milhões até julho de 2026. Para híbridos plug-in, US$ 226 milhões até julho de 2024, US$ 169 milhões até julho de 2025 e de US$ 75 milhões até julho de 2026.

Para elétricos, nas mesmas datas, respectivamente US$ 283 milhões, US$ 226 milhões e US$ 141 milhões. Para os caminhões elétricos, US$ 20 milhões, US$ 13 milhões e US$ 6 milhões.

A justificativa: incentivar a indústria nacional. “O Brasil é um dos principais mercados automobilísticos do mundo. Temos de estimular a indústria nacional em direção a todas as rotas tecnológicas que promovam a descarbonização, com estímulo aos investimentos na produção, manutenção e criação de empregos de maior qualificação e melhores salários”, disse, na época, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin.