Diretora geral das marcas Peugeot, Citroën e DS no Brasil, a executiva comenta os resultados da pesquisa Liderança do Setor Automotivo
Única mulher à frente de uma marca de veículos no Brasil, Ana Theresa Borsari lidera não apenas uma, mas três operações: ela é diretora geral da Peugeot, Citroën e DS, responsável por conduzir as decisões comerciais das três empresas no País. Ser a única profissional nesta posição passa longe de assustar a executiva: em 2011 ela foi a primeira mulher do mundo a ter o comando da Peugeot em um país, a Eslovênia.
“Eu me lembro quando disse ao diretor mundial da marca que gostaria de assumir a liderança da empresa em um país. Ele quase caiu da cadeira”, lembra, dizendo que hoje ser uma mulher no topo da hierarquia de uma empresa automotiva já é cada vez mais comum – uma normalização que ela espera que siga em curso.
Esta entrevista é parte do especial Liderança do Setor Automotivo, que traz as principais conclusões da pesquisa e os comentários de grandes profissionais do segmento.
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– Leia também:Filosa: “O setor tem obrigação de mudar. Empresas precisam espelhar a sociedade”Christopher Podgorski: “Como líder, o que mais gosto é de trabalhar através das pessoas”Pablo Di Si: “Autenticidade é a principal qualidade de uma liderança”Philipp Schiemer: “A função de uma empresa não é só maximizar lucros”Roberto Cortes: “Trabalho para mostrar lá fora o valor dos profissionais brasileiros”
Com este olhar, Ana Theresa foi uma das lideranças escolhidas para conhecer em primeira mão e comentar os resultados da pesquisa Liderança do Setor Automotivo, feita por AB em parceria com a Mandalah e com a MHD Consultoria.
O levantamento é resultado de entrevistas com 673 profissionais que atuam em empresas automotivas. A conversa com Ana Theresa, realizada ainda no fim de 2019, ganha ainda mais relevância no contexto de impermanência imposto pela pandemia de coronavírus, que exige novas capacidades das lideranças.
A seguir, a executiva fala do desafio de se preparar para atuar em uma realidade volátil, da buscar por fomentar a diversidade em uma indústria tão homogênea e sobre a importância de trabalhar com propósito.
Segundo a pesquisa Liderança do Setor Automotivo, 93% das pessoas em posição de alta gestão nas empresas do segmento são homens e 87% são brancos. A maioria é formada em engenharia. Que leitura você faz deste perfil tão homogêneo?
O setor automotivo é extremamente tradicional e percebemos isso no convívio: existe um padrão e um perfil específico pré-estabelecido. Eu busco alimentar a diversidade. O meu comitê de direção é uma torre de Babel. Muito mais do que diversidade de gênero, cor, perfil, busco pessoas com atitudes diferentes, com backgrounds variados, que pensem a partir de óticas distintas.
Não tem argumento melhor pela diversidade do que os resultados que ela é capaz de gerar. Diversidade abre o foco e traz um olhar mais amplo do negócio – coisas essenciais no momento em que as empresas precisam enxergar novos horizontes.
É alavanca para ganhar performance, eficiência e rentabilidade. Com os modelos antigos em xeque, é necessário buscar pessoas diferentes para trazer transformação para os negócios.
Você percebe resistência a esta abordagem mais plural nos contextos em que transita no setor?
Antigamente era pior, eu era uma extraterrestre: mulher, advogada e brasileira. Completamente fora do padrão da indústria. Hoje as pessoas já têm mais compreensão de que é possível reunir perfis distintos e, com isso, gerar resultados muito concretos. Eu me lembro quando disse ao diretor mundial da Peugeot que gostaria de dirigir a marca em um país. Ele quase caiu da cadeira. Fui a primeira mulher no mundo a assumir a liderança da empresa em um país, era uma ruptura. Hoje em dia é algo normal. Nos países mais desenvolvidos isso é ainda mais natural, nem é mais tema de discussão. Espero que a gente caminhe nesse sentido.
Os respondentes da pesquisa indicaram que as palavras que melhor definem o momento atual é transformação e mudança. Qual seria a sua palavra para este momento do setor automotivo? Você entende o contexto como oportunidade ou insegurança?
O setor automotivo mundial está passando por uma grande transformação em dois eixos: a eletrificação e a sustentabilidade de um lado, e de outro, a mudança de produto para serviço. Todos os construtores automotivos estão se preparando. Do ponto de vista de liderança, este é um catalisador porque estamos em um momento de xeque do setor, em uma transformação profunda em que você precisa buscar pessoas de perfis diferentes para realmente trazer inovação para dentro do seu negócio.
A pesquisa também mostra que as lideranças não se consideram seguras para lidar com o momento de instabilidade: 60% dos respondentes se dizem moderadamente preparados para este contexto. Como você avalia este cenário?
A preparação nos dias de hoje é muito menos técnica e muito mais mental e comportamental. Principalmente quando se trata de um momento de transformação, que requer serenidade, abertura de mente e uma certa ousadia para experimentar novos modelos. Você precisa colocar a sua empresa na fluidez necessária para que as transformações aconteçam de forma natural.
Principalmente quando se trata de um momento de transformação, que requer serenidade, abertura de mente e uma certa ousadia para experimentar novos modelos. Você precisa colocar a sua empresa na fluidez necessária para que as transformações aconteçam de forma natural.
Há coisas concretas neste sentido já em prática na Peogeot, Citroën e DS?
Somos fãs do mindfullness (técnica de meditação e atenção plena). A liderança precisa ter esta oxigenação da mente. É essencial não só para gerenciar momentos de conflitos, mas também para ter a serenidade de esvaziar a cabeça para que novas ideias e abordagens surjam e você consiga aceita-las.
A liderança do futuro vai ser mais zen, capaz de criar um ambiente em que todos se sintam livres para colocar suas ideias na mesa. Entendo que é assim que a gente constrói.
A pesquisa indica que empatia é a característica vista como essencial às lideranças. Você concorda?
Quando falta empatia é sinal de que as coisas são diretivas e coercitivas. Chamamos de falta de empatia quando o trabalho acontece por pressão e, para mim, este mundo não existe mais. Podemos fingir o tempo que for, mas esta liderança da pressão, do chicote, não é verdadeira, não é perene.
Como você avalia este contexto diante do avanço das novas gerações ao mercado de trabalho?
Todo mundo diz que as novas gerações precisam de um propósito, mas a verdade é que a principal diferença em relação a nós é que eles dizem o que pensam. Nós já queríamos o mesmo, mas talvez não tínhamos a coragem de verbalizar e acabávamos aceitando a falta de propósito ou lideranças que não nos inspiravam. Os jovens não vão aceitar.
No fundo, tanto a pessoa de 20 quanto a de 50 anos querem trabalhar em um lugar que oferece a oportunidade de falarem o que pensam, de se expressarem e serem 100% verdadeiros. Se não for assim, não tem graça.
Como liderança, é difícil manter o equilíbrio entre ter empatia, saber ouvir, mas também desafiar profissionalmente as pessoas?
O presidente global do Grupo PSA, Carlos Tavares, costuma dizer que a exigência é a maior demonstração do respeito. Elevar o nível de exigência com os colaboradores é o indício mais claro de que você acredita na capacidade deles de entregar mais. Me coloco no lugar do outro e acredito que, cada vez que você extrai o melhor do trabalho de alguém, faz aquele indivíduo evoluir.
Empresas são feitas de relações humanas. Estimular o crescimento das pessoas é o melhor que podemos fazer enquanto líderes. É isso que fica quando deixamos um cargo para trás. Ninguém quer mais trabalhar em uma empresa em que o chefe manda e a gente executa sem nem saber o por quê. Não há mais espaço para isso.
Entre uma série de assuntos indicados no estudo, inovação aparece como a prioridade para os entrevistados. Já temas como diversidade, engajamento dos colaboradores e fortalecimento cultural, têm baixa relevância para a liderança. O que provoca esta falta de percepção sobre a conexão entre estes temas?
Imagino que as pessoas não tenham se dado conta do potencial que a diversidade traz. Não é uma questão de cumprir cota, de atender a uma cobrança da matriz ou de criar uma imagem cool para a empresa. É através da diversidade que conseguimos resultados concretos.
Há um viés que impede esta abordagem mais ampla da liderança?
Muita gente ainda vem de um mundo de receitas prontas, sem abertura para estes conceitos. Por outro lado, quando olhamos para a mulher sinto que falta assumir o protagonismo. Elas precisam se colocar, desenvolver a autoestima e não ter medo de ter ambição profissional. Tanto homens quanto mulheres têm papeis importantes a desenvolver. Temos muito trabalho e é importante colocar estes temas na mesa.
Nesta edição da pesquisa, 36% dos entrevistados disseram que a companhia em que trabalham tem um propósito definido, claro e capaz de orientar as estratégias. Qual é a sua visão sobre propósito?
Tivemos um movimento muito radical pela posse, de fazer com que as pessoas sejam classificadas pelos seus bens materiais. Na Europa há muito tempo a visão é outra: as pessoas se definem por aquilo em que acreditam, não pelo que têm. Este é um movimento que ganha força aqui, principalmente por esta demanda das novas gerações.
Acordamos de manhã e queremos saber por que estamos indo trabalhar, que bem vamos fazer. As empresas precisam entender que este não é um esforço apenas institucional, mas algo inerente às pessoas.
Propósito não é criar uma frase de efeito, mas sim fomentar a contribuição humana para o mundo. O ambiente de trabalho pode ser um espaço para que as pessoas realizem seu propósito.