Visto como oportunidade de novos negócios, acordo vive nova onda de impasses entre os países envolvidos
O acordo bilateral entre Mercosul e a União Europeia (UE), que representa para montadoras instaladas na região oportunidades de exportação de veículos e componentes, é assunto que passa por turbulência no campo político.
Afora os entraves locais protagonizados pelos países que formam o bloco sulamericano – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai -, que atrasam um eventual desfecho com os europeus, agora é o Brasil que se mostra insatisfeito com as novas exigências da UE para que haja, enfim, livre-trânsito de mercadorias entre as regiões.
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“O Brasil não vai aceitar os termos desse acordo. Querem que o Brasil abra as portas para as compras governamentais, e nós não vamos fazer isso. Temos que valorizar a indústria nacional”, disse o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira, 2, durante evento realizado na fabricante de ônibus Eletra, em São Bernardo do Campo (SP).
O acordo é uma das bandeiras defendidas pela Anfavea, a associação que representa as montadoras instaladas no país. Enxergam que, por meio dele, o Brasil conseguiria incorporar volumes importantes às linhas locais de produção, que hoje apresentam quadro de ociosidade por causa da menor demanda proporcionada pelo mercado doméstico de veículos.
O presidente usou o mesmo tom para se referir ao acordo com a UE na última semana, durante evento realizado pela Fiesp em São Paulo (SP), que celebrava o Dia da Indústria.
Exportar, sim, mas é preciso olhar para empresas locais
Lula se mostrou favorável ao comércio entre o Brasil e o exterior, mas ressaltou que o seu governo deverá priorizar no país os negócios envolvendo empresas brasileiras.
“Os chineses são os nossos maiores parceiros comerciais, mas nós [Estado] vamos comprar e fortalecer os produtos feitos por empresas brasileiras”, contou o presidente durante o evento na Eletra.
É bom lembrar que, em 2019, após 20 anos de negociações, Mercosul e União Europeia fizeram um anúncio conjunto sinalizando que haviam fechado o acordo bilateral. No entanto, após este episódio – e passada a pandemia – os europeus fizeram novas exigências para que o acordo seja fechado, sobretudo exigências ambientais.
Brasil ainda exporta imposto
Ainda que no futuro Brasil e demais países do Mercosul acertem suas pendências com a União Europeia, existem outros temas que precisam ser discutidos entre indústria e o governo federal para que o acordo proporcione os resultados esperados.
Um deles seria a competitividade do produto nacional ante o seu equivalente produzidos em outras praças. Para Milad Kalume Neto, consultor da Jato Dynamics, isso se resolveria com outra bandeira do setor automotivo: a reforma tributária.
“A grande questão é o custo do nosso produto. Enquanto não tivermos uma reforma tributária que beneficiará todas as áreas industriais no Brasil, tudo o que fizermos não será competitivo naquele mercado”, explicou o consultor.
“Exportávamos alguns modelos para lá com baixa atratividade em função principalmente dos preços, mas também pelo produto. Prorrogar este acordo é uma forma de proteger a nossa combalida indústria”, completou.
Para Leticia Costa, da Prada Consultoria, o acordo representa mais uma oportunidade de acelerar a eletrificação no país do que, no curto-prazo, proporcionar mais exportações às montadoras instaladas no Brasil.
“Todo mundo pensa no acordo como redução de tarifas, e isso possibilitaria exportação cruzada. Mas quando falamos de indústria automotiva, existem outras legislações que podem impedir as exportações de veículos brasileiros, como aquelas que dizem respeito à proibição dos veículos a combustão. Por isso, os resultados de curto-prazo do acordo são complexos. Por outro lado, o acordo poderia acelerar as políticas de eletrificação no país”, contou.
Carro popular: ainda não foi desta vez
Havia grande expectativa de que fosse anunciado na fábrica da Eletra o programa de incentivos fiscais para veículos que custam até R$ 120 mil, o chamado pacote do carro popular, considerando o prazo estabelecido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada.
As expectativas, no entanto, se esvaíram com a ausência do ministro na comitiva que esteve presente na fábrica da Eletra. Horas antes, também em São Bernardo do Campo, Haddad integrou o grupo que inaugurou um laboratório na Universidade Federal do ABC (UFABC).
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De qualquer forma, o programa deverá ser apresentado, enfim, na segunda-feira, 5, em Brasília (DF). Wellington Damasceno, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, esteve na sexta-feira com o vice-presidente Geraldo Alckmin, e dele teria ouvido que o programa será apresentado na data.
“O vice-presidente nos informou que a apresentação será na segunda-feira. O Haddad já apresentou ao Lula o texto da regulamentação do programa”, contou o representante dos trabalhadores.