Mulheres têm trajetória mais curta na indústria e poucas alcançam cargos de alta liderança
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho já não é novidade, ainda mais em setores considerados mais masculinos, como o automotivo. A Pesquisa Diversidade no Setor Automotivo, realizada pela Automotive Business, mostra que a ascensão feminina anda a passos de tartaruga, principalmente quando se trata de cargos de liderança.
Segundo o levantamento, somente 0,6% das mulheres estão em cargos de alta liderança. A participação feminina é maior no início da carreira, como aprendizes (47%) e estagiárias ou trainees (51%). Mas, muitas profissionais não permanecem nas empresas ao longo da sua carreira e abandonam os postos por volta dos 40 anos de idade.
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Prova disso é que na produção, o chamado “chão de fábrica”, somente 19% dos profissionais são do sexo feminino e esse percentual, perto dos 20%, se mantém ao longo da vida profissional da mulher no setor automotivo.
“Foi um desafio grande ingressar nesse ambiente e não ter apoio em pares e semelhantes. Os homens falavam uma vez e a sua opinião era considerada. Eu tinha que falar três vezes e me esforçar muito mais e ter todas as respostas na ponta da língua sempre muito bem fundamentada para não desmerecerem a minha fala”, relata Patrícia Silva, gerente de Desenvolvimento de Ônibus da Mercedes-Benz do Brasil.
Ela, que chegou na montadora como estagiária, hoje comanda uma equipe de 10 pessoas, sendo duas mulheres. O início neste cargo foi desafiador, segundo ela. “Quando fui promovida um engenheiro da equipe pediu para ser transferido porque se recusou a se reportar pra mim”, disse Silva.
Chegar a cargos de gestão exige muito mais das mulheres
A engenheira foi a porta-voz da Mercedes-Benz no Brasil no desenvolvimento do motor Euro 6 para a companhia. “Estruturou a base de testes para a validação do novo motor no país. Nessa época, foi um desafio porque era uma mulher jovem coordenando culturas diferentes, mas aos poucos consegui romper essa barreira com muita inteligência emocional”, lembra Silva.
Hoje, ela está no desenvolvimento do motor elétrico do ônibus da Mercedes-Benz. A executiva conta que as relações na montadora estão mudando e equidade de gênero já é uma bandeira da companhia. A Mercedes-Benz tem um programa de diversidade de gênero e implementou como meta mundial deter 20% de mulheres em cargos de liderança.
Letícia Serra, gerente de Desenvolvimento de Caminhões da Mercedes-Benz, também enfrentou desafios ao ingressar no setor automotivo, ainda bem masculinizado. Ela começou na companhia como estagiária e hoje comanda uma equipe de 9 pessoas, sendo duas mulheres. Serra conta que foi uma exigência ter postos preenchidos por profissionais femininas.
Montadoras criam metas de equidade de gênero
“Na Mercedes, temos o comitê de diversidade focado no pilar de gênero. Tivemos muitas mudanças durante esses anos, talvez não na velocidade que se esperava. Ficamos muito tempo parados e a evolução pode ser devagar, mas vamos colher bons frutos. O fato de ter mais mulheres em cargos de gestão e de diretoria faz as pessoas pensarem mais no assunto”, diz a executiva.
Segundo ela, nos processos de promoção na Mercedes-Benz existe a recomendação de sempre ter mulher participando para ser uma competição justa. “Isso ajuda a companhia a atingir a meta de equidade de gênero.”
Na Volkswagen do Brasil, foi criado em 2017 um programa de diversidade e inclusão e, segundo Guilherme Nascimento, especialista em Diversidade da VW, a montadora tem trabalhado para o aumento da participação feminina em liderança.
“É um objetivo da companhia no Brasil e no mundo, a equidade de gênero. Entendemos que o setor é tradicional da indústria e que historicamente tem uma participação masculina muito maior”, disse Nascimento.
Escutar mulheres para mudar a realidade dentro das fábricas
Mas como colocar em prática esses objetivos? Segundo ele, no Brasil, a Volkswagen na contratação de funcionários horistas, para trabalhar na produção já estabeleceu que 50% das vagas serão destinadas a pessoas diversas, incluindo mulheres.
“No passado, superamos essa meta e 54% das admissões foram de pessoas diversas. Temos vagas afirmativas de gênero, para negros, para pessoas trans isso tudo tem fortalecido bastante a diversidade dentro da companhia.”
Fabiana de Jesus, líder de Célula da Pintura na fábrica Anchieta, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, entrou na companhia há 16 anos e há pouco mais de um ano exerce comanda uma equipe de 85 pessoas, sendo 12 mulheres.
“Eu vi que tinha oportunidade de crescer dentro da empresa pois já via mulheres em cargos de comando. Isso me inspirou. Hoje, vejo que as mulheres estão mais interessadas, antes muitas acreditavam que não podiam almejar cargos de liderança. É possível, a gente vê essa transformação”, diz ela que sempre foi apaixonada por carros e, por isso, fez engenharia mecânica e tem um sonho de transformar a sua Kombi em um motorhome.
Sendo inspiração para outras mulheres
Outra que se inspirou em uma líder feminina foi Marianna Pavret de Oliveira, montadora de produção Montagem Final da unidade de Taubaté. Ela, que entrou na Volkswagen após um curso de usinagem no Senai, é monitora de célula na fábrica e tem sob sua gestão 13 pessoas, sendo quatro mulheres.
Ela conta que no início, quando pegou foi promovida, as pessoas desacreditavam do seu potencial. “Teve comentários sobre a minha capacidade, mas, aos poucos, isso foi mudando. Hoje, sou referência para a minha equipe e principalmente para as mulheres. Recebi um email de uma estagiária me agradecendo por ser sua inspiração. Isso é gratificante”, lembra Oliveira.
Ações para fazer o “ponteiro girar”
Natassia Bertoncello Uysal, consultora de Recursos Humanos e coordenadora do grupo de diálogo Elas Aceleram, afirma que a equidade de gênero é um tema muito trabalhado na Volkswagen.
“O grupo, que foi criado em 2022, é tem a participação de mulheres de áreas distintas e de todas as unidades no país, é uma forma que encontramos para escutar as demandas das funcionárias e fazer com que as ações e ideias cheguem ao comitê executivo da companhia”, diz Uysal. “Temos que fazer com que os ponteiros sejam mexidos.”
Segundo ela, uma das ações que surgiu de uma demanda no grupo e implementada nas fábricas no Brasil foi mudança da modelagem dos uniformes na linha de montagem. “Mudamos a modelagem das calças por causa dos múltiplos formatos de corpos que temos. Além disso, sugerimos que os uniformes tivessem uma cor mais escura”, afirmou.