Linha de montagem da Caoa em Anápolis (GO): incentivos prorrogados e ampliados até 2025
Texto corrigido em 30/10/2020 às 15h40. Ao contrário do publicado anteriormente, não houve ampliação de incentivos ao Centro-Oeste com equiparação ao Nordeste, apenas a prorrogação até 2025 dos benefícios já concedidos anteriormente.
A sansão da lei que prorroga até 2025 incentivos fiscais a fabricantes de veículos instalados na Região Centro-Oeste do País provocou uma inesperada e rara reação da Toyota, que dificilmente emite comentários públicos a respeito de qualquer medida governamental. Não desta vez. A empresa fez uma crítica aberta à extensão dos benefícios, na forma de um artigo distribuído à imprensa um dia antes e assinado por Roberto Braun, diretor de relações governamentais da Toyota do Brasil, que opera quatro fábricas, todas no Estado de São Paulo, onde não há benefícios tributários.
Braun defende que esses estímulos são desproporcionais, desnecessários e criam distorções no mercado, provocando desiquilíbrio de competitividade de preços – já que é possível produzir com custos tributários muito menores em certas regiões. “Isso torna muito difícil a aprovação de novos investimentos no País”, alerta.
O diretor reconhece que a Toyota sempre adotou “postura mais discreta” sobre temas assim, mas desta vez decidiu se pronunciar porque avalia que a pandemia tornou o cenário mais difícil para todos e esse tipo de incentivo prejudica as vendas da marca com concorrentes que podem praticar preços mais baixos porque recebem descontos em impostos federais e também isenções de ICMS nos estados onde operam. “Fica difícil competir em igualdade sob essas condições”, ele pondera, acrescentando que São Paulo não concede nenhum tipo de benefício tributário às fábricas da Toyota o Estado. “O que sempre nos ofereceram aqui são as condições melhores de logística e contratação de mão-de-obra qualificada”, afirma.
Embora em seu artigo Braun tenha citado apenas a prorrogação de incentivos ao Centro-Oeste, ele destaca que a posição é a mesma em relação aos benefícios concedidos ao Nordeste, que não foram citados porque em 2018 já tinham sido prorrogados até 2025. “Não temos nada contra qualquer empresa, mas somos contra qualquer incentivo que cause desequilíbrio de mercado”, disse. “A extensão desse benefício federal é questionável, considerando que o prazo de vigência do regime já teria sido suficiente para a recuperação de investimentos realizados e a extensão do prazo por mais cinco anos dificilmente atrairá novas montadoras. Também não há por que se falar da necessidade de compensação de custos logísticos, uma vez que a região Centro-Oeste é considerada localização ideal para a instalação de centros de distribuição de alcance nacional”, escreveu Roberto Braun.
TENTATIVAS DE PRORROGAÇÃO E EQUIPARAÇÃO AO NORDESTE
Já fazia dois anos que a bancada no Congresso de representantes do Centro-Oeste vinha tentando prorrogar os incentivos fiscais federais às montadoras instaladas na região, caso da Caoa Montadora que produz em Anápolis (GO) modelos Hyundai desde 2007 e também da Chery a partir de 2017, e da HPE que em 1998 abriu fábrica em Catalão (GO) para montar veículos da Mitsubishi e Suzuki. Ambas têm direito a desconto tributário de 32% no IPI que terminaria no fim deste ano. Apesar de valer pelo mesmo período, o benefício concedido a empresas do setor na Região Nordeste é maior: lá FCA, Ford-Troller e Baterias Moura podem abater do IPI o equivalente ao quanto recolhem de PIS/Cofins, o que praticamente zera o imposto.
Primeiro, deputados de Goiás tentaram incluir a prorrogação de incentivos fiscais ao Centro Oeste em uma emenda na lei que criou o Rota 2030, em 2018. Na ocasião, usando o mesmo expediente a bancada do Nordeste conseguiu prorrogar o benefício para a região até 2025, mas o Centro-Oeste não foi incluído. Houve nova tentativa sem sucesso em 2019.
No fim de agosto passado os parlamentares goianos voltaram à carga, aproveitaram para introduzir a extensão de benefícios em uma Medida Provisória encaminhada pelo Executivo no fim de junho, que por causa de atrasos provocados pela pandemia precisou adiar de julho para o 31 de outubro o prazo que as empresas beneficiadas pelo Regime Automotivo do Nordeste tinham para apresentar novos projetos a serem enquadrados nos incentivos – a legislação exige que os beneficiados façam investimentos locais em pesquisa e desenvolvimento equivalentes ao mínimo de 10% dos incentivos tributários recebidos.
Desta vez a lei passou no Congresso com a inclusão do Centro-Oeste e na quarta-feira, 28, foi sancionada sem vetos pelo presidente da República. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que articulou a medida com a bancada parlamentar do Estado esteve em Brasília, no Palácio do Planalto, para acompanhar a sanção. De acordo com ele, o incentivo vai permitir um investimento de R$ 1,5 bilhão da Caoa em Anápolis e de R$ 500 milhões da HPE/Mitsubishi em Catalão. Portanto, em tese, as duas empresas têm dois dias para apresentar esses projetos, mesmo que seja só um esboço sem muitos detalhamentos, mas até o fechamento desta reportagem não se pronunciaram a respeito.
Ao votar a medida provisória, a Câmara estimou um impacto de R$ 150 milhões por ano com a renúncia fiscal às duas fabricantes de veículos em Goiás. Para compensar a perda, o projeto institui cobrança de IOF sobre as operações de crédito realizadas pelo Fundo de Financiamento do Centro-Oeste (FCO).
PARA A TOYOTA, INCENTIVO TEM SOMA NEGATIVA
“A prorrogação de incentivos afeta a previsibilidade das empresas localizadas em outras regiões do Brasil, impactando diretamente os investimentos já realizados e afastando os novos, pois o empresário precisa de cenários claros para investir com segurança. Trata-se de um jogo de soma com resultado negativo, uma vez que gera alguns empregos automotivos na região incentivada, mas fecha empresas e destrói empregos e renda nas outras regiões do País, comprometendo o presente e o futuro”, afirma Roberto Braun em seu artigo. Ele avalia que só a reforma tributária esperada para o próximo ano poderá equalizar essa distorção.
A crítica aberta da Toyota em relação a mais uma prorrogação de incentivos tributários a empresas concorrentes expõe ao público o conflito de interesses que existe entre as empresas do setor. De um lado, fabricantes de veículos que construíram fábricas no Nordeste e Centro-Oeste alegam que os estímulos recebidos foram fundamentais para viabilizar investimentos bilionários, que geram empregos e trazem desenvolvimento regional.
Para citar o exemplo mais recente, a FCA Fiat Chrysler no fim de 2010 conseguiu reabrir o Regime Automotivo do Nordeste para fabricar carros na região com descontos tributários. A empresa declarou investimentos R$ 11 bilhões (R$ 1 bilhão dos fornecedores) para construir o Polo Automotivo Jeep em Goiana (PE), inaugurado em 2015, que produz mais de 250 mil carros por ano e emprega cerca de 13 mil pessoas no complexo. Em 2018 iniciou novo ciclo de investimentos na unidade que envolvem aportes da FCA e seus fornecedores que somam R$ 7,5 bilhões até 2023, com a produção de novos modelos na unidade.
Por outro lado, empresas como a Toyota, Honda e Hyundai que mantiveram suas operações concentradas no Estado de São Paulo também fizeram investimentos, mas não receberam incentivos fiscais e agora esperavam ter maior isonomia de custos de produção. Um dilema que ainda reserva muitos anos de discussão à frente.