Cidade planeja modelo baseado em tecnologia que, no futuro, poderá oferecer até mesmo ônibus sob demanda por aplicativo
Nem só de transporte público caótico são feitas as cidades brasileira. No interior de São Paulo, São José dos Campos coloca em prática uma estratégia ampla para tornar a experiência de mobilidade na cidade mais fluida e inteligente. Desde o começo de 2019, a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) da cidade e o Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp) trabalham juntos em um novo modelo operacional para o transporte da cidade. As primeiras mudanças devem começar no ano que vem.
Batizado apenas de Novo Transporte, o plano prevê várias mudanças na operação dos ônibus, com a criação de novas linhas e a implementação de plataformas tecnológicas para gerir e operar dados. Será um processo gradual, adotado em fases, mas que pretende munir o poder público e a iniciativa privada com informações unificadas para criar opções mais vantajosas para o público.
Desde o princípio, o projeto é colaborativo, reunindo uma série de diferentes olhares para trabalhar em soluções melhores para o público. A iniciativa partiu da Prefeitura do município, que se aproximou do Cepesp após uma palestra de Ciro Biderman, coordenador da entidade e professor da FGV, em um evento sobre mobilidade urbana.
O grupo foi então contratado por 36 meses para diagnosticar os problemas do transporte público da cidade e propor um modelo alternativo. Após a apresentação da parceria em maio de 2020, a Prefeitura fez um Chamamento Público para que empresas de tecnologia pudessem opinar sobre o modelo. Assim, enfim, nasceu o desenho doo projeto.
COMO EVITAR QUE O LOBO TOME CONTA DAS OVELHAS
“O principal problema diagnosticado nos atuais modelos de transporte público coletivo refere-se à não separação dos contratos de serviços de operação e tecnologia”, afirma Patrícia Alencar, coordenadora executiva do Cepesp. Ela argumenta que o fato de as operadoras que lucram com os bilhetes pagos pelos usuários serem também responsáveis por operar as plataformas (softwares) de gestão é um “clássico problema do lobo cuidando das ovelhas”.
Além disso, como esses dados ficam retidos com as empresas operadoras, o município não tem pleno acesso a eles. “As prefeituras acabam não dispondo desses insumos para fins de monitoramento, gestão e planejamento”, diz ela.
Com o novo modelo, a operação dos ônibus e a gestão de tecnologia passam a ser duas coisas distintas, controladas por empresas diferentes. E a tecnologia, por sua vez, passa a ser dividida em cinco plataformas com objetivos separados, sendo quase todas proibidas de serem administradas pela mesma empresa. Nesses casos, uma companhia que vencer a concorrência por uma delas fica automaticamente eliminada das outras. As plataformas 1, 2 e 3 compõem a fase inicial do projeto, com a 4 e a 5 entrando mais tarde.
COMO FUNCIONAM AS PLATAFORMAS
A plataforma 1 consiste na gestão de dados financeiros. Será um sistema integrando diversas bases de dados e reunindo informações como passagens emitidas, débitos dos usuários e créditos da operadora. Essa parte inclui todo o software necessário para que os pagamentos dos usuários sejam recebidos, processados e distribuídos, além de uma base com os dados do transporte que serão acessados pelas outras plataformas.
“Nessa proposta, a empresa privada será responsável pela gestão financeira mas não poderá ser a operadora dos ônibus”, afirma o coordenador do Cepesp, Ciro Biderman.
Ele complementa: “A empresa será responsável por receber os pagamentos e distribuí-los de acordo com as regras estabelecidas pelo município”, afirma.
A plataforma 2 será para gestão do transporte público coletivo. Ela irá monitorar em tempo real o desempenho do sistema, incluindo problemas nas vias, velocidades dos veículos, reclamações dos usuários e outras variáveis que afetem o serviço e a demanda. Com isso, fornecerá dados para planejamento.
Já a plataforma 3 será destinada aos usuários e terá os mesmos moldes de apps já existentes, como Moovit e Cadê o Ônibus. Ela vai usar os dados das plataformas 1 e 2 para permitir que o público planeje sua rota da forma que lhe for mais vantajoso. Também está previsto que o app permita input dos usuários, tanto com informações como com reclamações, o que ajudará a melhorar o banco de dados do sistema. Para a plataforma 3, será feito um credenciamento pela Prefeitura de aplicativos que já existam e que tenham interesse em disponibilizar seu serviço para os usuários do município.
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O QUE MUDA NOS ÔNIBUS
Na prática, a implementação dessas três plataformas trará alterações importantes no modo como os ônibus operam. A cidade será dividida em zonas, com dois tipos de linhas: as que circulam apenas em uma zona e as que transitam entre elas. Serão criadas “áreas de integração” dentro das zonas (seis no total em toda a cidade), onde serão feitos os transbordos (troca de um veículo para o outro).
A nova lógica pode gerar polêmica, uma vez que muitos usuários que antes pegavam apenas um ônibus para fazer seu trajeto agora precisarão pegar dois. Mas os idealizadores do projeto garantem que o tempo gasto será menor porque haverá mais linhas e menos tempo de espera. Entretanto, eles admitem que o sucesso e a aceitação desse modelo vão depender muito da criação de faixas exclusivas para o transporte público para diminuir a interferência dos congestionamentos.
Os ônibus em si também irão mudar. As catracas e os cobradores serão eliminados e a viagem só poderá ser paga por bilhete único ou bilhete unitário, sem possibilidade de pagamento em dinheiro. O projeto espera ampliar a rede de possibilidades também para pagamento com cartões de crédito e débito, Pix e QR Code. Os validadores, como são chamadas as máquinas para pagamento e registro das viagens, ficarão dentro dos próprios veículos e nos controles de acesso às estações.
Os veículos também contarão com Wi-Fi gratuito para permitir a recarga dos bilhetes virtualmente. Além de tudo isso, também haverá maior presença de veículos de menor capacidade, como vans, micro-ônibus e midibus.
A EVOLUÇÃO DO SISTEMA NO FUTURO: ÔNIBUS SOB DEMANDA POR APLICATIVO
Em termos operacionais, as plataformas 4 e 5, que fazem parte da etapa final do projeto, serão as mais ambiciosas. A 4 consistirá em um modelo novo para linhas que atendem áreas rurais e de baixa densidade demográfica. O que se pretende adotar é um modelo sob demanda em que os usuários solicitam o ônibus por meio de um app.
Assim, em vez de fixas, as rotas dos veículos passam a ser flexíveis, alterando-se de acordo com os passageiros que o modal irá pegar ou deixar, respeitando apenas os pontos finais e iniciais. A frequência de saída dos ônibus segue um número mínimo estabelecido pelo município, mas também se ajusta à quantidade de solicitações no app (mais ônibus quando há mais pedidos).
Por fim, a plataforma 5 consistirá em um app completo de Mobility as a Service (MaaS) integrando todos os modais disponíveis na cidade (ônibus, vans, bicicleta, táxi, ride-hailing, etc.) e também suas tarifas/bilhetagens. Ao contemplar todas as formas possíveis de transporte disponíveis, sejam elas públicas ou privadas, o app irá sempre oferecer ao cidadão, em tempo real, a melhor opção para se locomover pela cidade. Tudo isso, é claro, integrado às plataformas 1 e 2 para que os dados gerados pelo app permitam novas análises e melhorias no transporte. No momento, estão em curso pilotos para verificar a viabilidade dessas últimas plataformas.
“Com o projeto, eu consigo imaginar que a gente caminhe para uma coisa mais sustentável, que estimule o uso do transporte público e o uso de modos ativos de forma geral”, acredita Eliana Mello, coordenadora de transportes do projeto em parceria com a Toyota Mobility Foundation dentro do Cepesp – a entidade é apoiadora do Novo Transporte.
Ela afirma que boa parte dos avanços desse modelo estará nos bastidores, com a criação de um meio definitivo para que a Prefeitura tenha acesso garantido e irrestrito aos dados de seu próprio sistema de transporte. “A gente entende que é importante para a Prefeitura o acesso a esses dados de mobilidade porque, quando precisamos fazer qualquer estudo com Uber, 99, etc., não conseguimos dados, não tem informações disponíveis”, diz.
Ela complementa: “No transporte coletivo, a mesma coisa, as informações estão com os operadores, o serviço público tem acesso restrito. Então, muito dessa plataforma MaaS está na gestão e na oferta dessas informações de forma responsável para que sejam usadas pelo município e pela sociedade”, defende a coordenadora.
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