Pandemia atrasou o desenvolvimento do sistema que vai atender ao nivel de emissões do Proconve P8 em janeiro
A norma de emissões Proconve P8, que representa a estreia dos motores do tipo Euro 6 nos modelos de caminhões e ônibus produzidos aqui, entrará em vigor em pouco menos de três meses para novos projetos – e 2023 para todos os veículos vendidos no País. A proximidade da data movimenta os departamentos de engenharia das montadoras e fabricantes independentes, que correm para atender à legislação em meio aos desafios impostos pela pandemia no processo de desenvolvimento.
No ano passado a indústria se movimentou para postergar as datas estipuladas para a vigência da P8, dado o momento crítico que as fábricas viviam com produção parada e distanciamento social. O pleito, no entanto, não avançou e foi necessário travar uma espécie de corrida contra o tempo para realizar testes e validações de sistemas de pós-tratamento que deverão integrar os motores de veículos pesados no futuro.
“Tivemos de adaptar uma série de processos nas áreas de testes por causa dos protocolos de saúde. Uma coisa que mudou bastante na forma como conduzíamos o trabalho é a questão dos ensaios e análises feitos remotamente”, disse Daniel Spinelli, diretor de desenvolvimento de produto da Mercedes-Benz. “Imagina realizar os processos de engenharia durante a pandemia. Foi um grande desafio para nós reunirmos a equipe.”
No caso da Volvo, a empresa calcula que perdeu mais de três meses de desenvolvimento por causa da pandemia e a saída encontrada para recuperar o tempo perdido foi apostar nas horas extras. “Tivemos de adaptar o cronograma como nunca fizemos antes. Estamos trabalhando em horários alternativos, em dias alternativos, como feriados, para adiantar os projetos”, contou Alexandre Parker, diretor de assuntos corporativos.
De acordo com o executivo, afora a questão do trabalho em campo, que sofreu modificações por causa da pandemia – como, por exemplo, escalonamento de engenheiros e técnicos dentro dos laboratórios –, a montadora teve de realizar testes em seus veículos localmente, algo que, em princípio, estava programado para ser feito no Exterior.
“Perdemos a janela de envio de veículos para a matriz no inverno para serem feitos testes de validação. Com o fechamento das fronteiras, não conseguimos realizar os testes necessários em baixas temperaturas. Nisso perdemos até cinco meses de desenvolvimento”, completou Alexandre Parker, da Volvo.
Há possibilidade de atrasos
Apesar de toda a movimentação para cumprir os prazos estabelecidos pela nova legislação de emissões, os executivos reconhecem a possibilidade de atrasos. “Paramos o projeto em abril no ano passado e retomamos em setembro, com a esperança do governo postergar. Hoje, posso afirmar que faremos o roll-out do Euro 6 ao longo do primeiro semestre de 2023”, disse Spinelli, da Mercedes-Benz.
Vale lembrar que a norma P8 vai entrar em vigor para as homologações de novos modelos de veículos em 1º de janeiro de 2022, e para todas as vendas de novos veículos e registros em 1º de janeiro de 2023.
No caso da Volvo, disse Alexandre Parker, a montadora considera o risco de que determinada especificação possa não estar disponível em 2023, ainda que várias ações mitigatórias estejam sendo feitas para que a empresa cumpra com as datas-limite. “Estamos fazendo de forma paralela o projeto da manufatura desses motores na fábrica de Curitiba”, contou.
A Volkswagen Caminhões e Ônibus, por sua vez, afirmou por meio de nota que está “trabalhando arduamente no desenvolvimento para atender os prazos legais”. E ressaltou, ainda, que “todos os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento no Brasil foram prejudicados pelas medidas sanitárias exigidas pela pandemia, bem como impactos globais em paradas de fornecedores de engenharia e de componentes em todo o mundo”.
Já a Scania chega com certa vantagem considerando que a fábrica de São Bernardo do Campo (SP) é uma plataforma exportadora – ou seja, a produção realizada nas linhas do ABC Paulista, uma vez alinhadas com as demandas de exportação, já está apta para produzir os propulsores Euro 6 que exporta, mas é necessário adaptar a tecnologia para atender à legislação brasileira. Fora isso, a empresa já vende no País modelos de veículos a gás que já atendem às demandas da P8.
“A Scania tem um sistema global de produção que permite a fabricação dos mesmos veículos em qualquer unidade de produção ao redor do mundo. Isso significa que podemos atender, a partir de São Bernardo do Campo, sempre que houver demanda de mercados que já atuam com o padrão Euro 6”, informou a companhia também por meio de nota.
Procurada pela reportagem, a DAF, que mantém produção de caminhões em Ponta Grossa (PR), não se manifestou sobre o status do desenvolvimento do seu sistema Euro 6 até o fechamento desta matéria.
Fabricantes correm contra o tempo
No universo das fabricantes independentes de motores, o cenário também é de pressa em atender os prazos. A Cummins já decidiu qual modelo de motor Euro 6 vai nacionalizar, falta agora o desenvolvimento junto aos fornecedores.
“Temos desenvolvida uma plataforma Euro 6 desde 2014, uma específica para mercados como Índia e Brasil. Estamos agora na etapa de desenvolvimento de fornecedores e no final da etapa do processo de certificação. Também estamos preparando a fábrica para produzir o conjunto”, disse Dennys Santi, líder de engenharia de motores da Cummuns.
O equipamento citado é o sistema de pós-tratamento Euro VI Single Module, que seria, segundo a fabricante, 60% menor e 40% mais leve quando comparado aos sistemas que atendem ao mesmo nível de emissões. É composto por quatro módulos: Catalisador de Oxidação de Partículas (DOC), Filtro de Particulado Derivado do Diesel (DPF), Misturador de Gases e Partículas (Mixer) e o Catalisador de Redução de NOx (SCR).
A MWM, que produz motores em São Paulo (SP), afirma que a pandemia atrasou o seu cronograma inicial de motor Euro 6 de 12 a 18 meses. “Mantivemos as atividades remotas, como aquelas relativas a projetos e simulações, mas houve grande dificuldade em prosseguir com as atividades que dependiam de uso de laboratórios de motores e validações veiculares, principalmente em outros mercados ou regiões”, disse Cristian Malevic, diretor da unidade de motores.
O executivo relatou desafio similar ao da Volvo em termos de testes do exterior: “Enfrentamos a impossibilidade de desenvolvimento dos motores e pós-tratamento em condições reais de operação, principalmente em testes envolvendo temperaturas, altitudes e ciclo de operação regular nas rotas de nossos clientes. Nossos engenheiros ficaram impossibilitados de viajar, inviabilizando o cumprimento de partes fundamentais do cronograma de atividades”.
A FPT, que pertence ao Iveco Group e produz motores para as marcas de veículos subsidiárias como a Iveco, por ora está preparando as linhas de Sete Lagoas (MG) para produzir propulsores Euro 6: “Ainda não começamos a produção em escala, está no nível de protótipo. Estamos fazendo as adequações necessárias na linha para passar a produzir já como produto de série”. A FPT já produz e aplica motores com este sistema de pós-tratamento na Europa.