Por que grandes cidades resolveram abrir mão de suas vias expressas?

Criadas para solucionar a mobilidade, vias têm sido repensadas por piorar o fluxo de pessoas entre áreas centrais

Nataly Simoes

Nataly Simoes

Criadas para solucionar a mobilidade, vias têm sido repensadas por piorar o fluxo de pessoas entre áreas centrais

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As vias expressas, também conhecidas como rodovias urbanas, são itens em extinção em diversas cidades ao redor do mundo. Especialistas apontam que as avenidas rápidas e viadutos construídos, inicialmente, com o propósito de evitar congestionamentos e facilitar o deslocamento das populações acabam por não alcançar esses objetivos.

As informações constam no estudo “Vida e Morte das Rodovias Urbanas”, financiado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) e pela organização Embarq Brasil. O material traz estudo de caso de cidades como Bogotá, Colômbia; Seul, Coreia do Sul; e Milwaukee, EUA.

Segundo o documento, os investimentos realizados nas últimas décadas para criar mais infraestrutura para os carros diminuem a capacidade dos municípios de conectar pessoas e estimular a cultura e o comércio regional.

Assim, na contramão de seus objetivos, as vias expressas muitas vezes pioram o fluxo do trânsito, visto que a oferta de infraestrutura leva mais pessoas a usarem seus carros, aponta o estudo. 

Mais emissões de poluentes, menos mobilidade

O material destaca também como efeito negativo das rodovias urbanas as emissões de gases de efeito estufa, uma vez que essas estradas degradam as regiões centrais e os bairros do entorno, ameaçam locais com valor histórico e impactam a saúde da população.

O ITDP alerta que crianças que moram próximas de vias expressas têm 50% mais chances de desenvolverem doenças como asma que as que vivem em outras regiões.

Outros dados levantados pelo estudo, revelam que as pessoas que vivem nas  grandes cidades podem perder mais de 100 horas por ano no congestionamento. Uma faixa de estrada urbana movimenta apenas 1,6 mil pessoas em uma hora, enquanto uma de BRT (ônibus de transporte rápido) leva até 15 mil no mesmo período de tempo. Além disso, uma ciclovia de mão dupla pode movimentar 3 mil indivíduos em intervalo equivalente.

Obsolescência funcional das vias expressas

Os Estados Unidos e muitas cidades da América Latina começaram a pavimentar rodovias urbanas ainda nas décadas de 1950 e 1960. No Brasil, o pico de construções foi durante a ditadura militar, entre 1960 e 1970, com a criação do Túnel Rebouças e o Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, que abriram uma rota direta entre o centro da cidade e bairros da Zona Sul, como Copacabana, Ipanema e Leblon. 

Em todo o mundo, muitas estão agora próximas à obsolescência funcional. Isto tem levado algumas cidades, não só nos Estados Unidos, a questionarem o papel das grandes rodovias em áreas urbanas e a perguntarem se elas merecem mais investimento ou se devem ser removidas. 

Atualmente, algumas das mesmas rodovias urbanas construídas naquele período estão sendo demolidas, enterradas a um alto custo ou transformadas em boulevards. De acordo com a pesquisa, na medida em que as cidades do mundo todo tentam resolver os problemas de congestionamento, crescimento desordenado e declínio urbano, algumas delas ilustram o que pode ser feito quando já não faz mais sentido manter uma rodovia.

O que leva a remoção das rodovias?

O estudo “Vida e Morte das Rodovias Urbanas” enumera cinco principais razões para que cidades não apenas deixem de construir novas vias expressas, como também desativem as que já existem:

1- Custos de reconstrução e reparo

Nos Estados Unidos, o financiamento federal de até 90% do custo de projetos viários foi um incentivo à construção de rodovias. Segundo o estudo, o cenário não é mais o mesmo e a maior dependência de fontes privadas de financiamento leva as cidades a um exame minucioso dos investimentos de maior volume e custo. 

Em Milwaukee, a prefeitura gastou US$ 25 milhões para decidiu remover uma extensão de via expressa que existia há 30 anos, depois que as autoridades calcularam que o custo de conserto seria de US$ 50 a US$ 80 milhões.

A remoção liberou 100 mil metros quadrados de espaço para o desenvolvimento urbano, incluindo a área de servidão que havia sido reservada para a via expressa e as áreas de estacionamento em torno da mesma;

2- Revitalização econômica

Milwaukee, São Francisco e Seul quiseram revitalizar áreas que foram degradadas pela existência de vias expressas elevadas e eliminar o efeito de isolamento que provocava a desvalorização dos imóveis adjacentes a essas vias, destaca o material.

Depois que Seul removeu a via Cheonggyecheon, o preço médio dos apartamentos na área aumentou em pelo menos 25% comparado à valorização de 10% nos bairros mais distantes da via. A área também se tornou um dos destinos preferidos pela população local e pelos turistas. 

3- Valorização imobiliária

Cidades como Portland, São Francisco e Seul removeram rodovias urbanas, retomaram a posse de propriedades valiosas e estimularam um novo desenvolvimento urbano que, por sua vez, gerou receitas adicionais para as cidades. Em Portland, nos EUA, a demolição de uma via expressa abriu caminho para a criação da chamada “Área de renovação urbana da orla fluvial da cidade”, em 1974, e de um grande e novo parque às margens do rio.

4- Melhor acesso às margens de cursos de água

As orlas marítimas, fluviais ou lacustres urbanas foram usadas anteriormente como portos gerando um grande movimento de caminhões. Para facilitar essa movimentação, cidades pavimentaram numerosas rodovias urbanas ao longo das orlas que se tornavam assim poluídas, mal-cheirosas ou lugares indesejáveis. 

Com a implantação de novas normas ambientais, muitas áreas desse tipo passaram por recuperação. Em várias cidades, as atividades portuárias foram transferidas ou consolidadas fora da área central, o que transformou muitas orlas novamente em áreas atrativas para a população.

5- Novas soluções de mobilidade

As rodovias têm a função específica de movimentar o tráfego a longas distâncias e alta velocidade. Para atender às necessidades de mobilidade urbana, são necessários investimentos em outras formas de transporte.

Bogotá, na Colômbia, decidiu apostar em uma estratégia integrada que inclui sistemas de operação exclusiva em corredores de ônibus (BRT), ciclovias e zonas verdes, ao invés de rodovias elevadas. 

Seul introduziu um sistema BRT e restrições ao uso do veículo privado para aumentar as opções de mobilidade e criou um parque linear no espaço deixado pela rodovia demolida.