Nova gestão corrigiu erros e investiu no potencial das marcas para alavancar vendas
Atire a primeira pedra quem nunca passou por uma fase difícil na vida e achou que jamais conseguiria se reerguer. Assim se sentiam Peugeot e Citroën quando a Stellantis assumiu o controle das empresas no Brasil em meados de 2021.
O megagrupo, que nasceu justamente da fusão entre FCA e PSA, herdou o comando das marcas francesas – e junto vieram problemas e até traumas que exigiam atenção especial para serem resolvidos.
Passados quase dois anos sob nova gestão, o cenário é muito mais positivo. Tudo indica que o ano de 2022 consolidará a redenção das marcas, que, juntas, detêm quase 4% de participação no mercado brasileiro de automóveis e comerciais leves.
Números impressionantes
Assim como em uma relação de cumplicidade, a Stellantis usou o que tinha de melhor para fazer Peugeot e Citroën voltarem a sorrir.
Até agora o cenário se mostra bastante promissor. Levando em consideração os dados de emplacamento da Fenabrave, a Peugeot vendeu 39.225 unidades de automóveis e comerciais leves de janeiro a novembro de 2022. Esse volume lhe rendeu uma participação de mercado de 2,24%, o melhor resultado para a marca desde 2011.
O crescimento fica ainda mais evidente ao comparar com os números do acumulado de 2021, quando vendeu 26 mil carros e tinha 1,4% de participação de mercado – resultados que já eram impressionantes diante dos fiascos anteriores.
A Citroën ainda não segue o ritmo forte da conterrânea, embora também apresente números animadores. De janeiro a novembro deste ano, a marca emplacou 27.938 veículos, que lhe renderam 1,6% de market share. No mesmo período de 2021, a Citroën havia licenciado 20.267 unidades e tinha 1,14% do mercado total.
Considerando os números de 2019 (uma vez que analisar os resultados de 2020 seria irreal pelos efeitos da pandemia), a disparidade é ainda maior. Enquanto a Citroën havia emplacado 24.221 unidades e tinha 1,01% de participação, a Peugeot estava em situação ainda pior: 20.029 veículos e apenas 0,83% do total de automóveis de passeio e comerciais leves no país.
Diante desse panorama, fica a pergunta: o que a Stellantis fez para virar o jogo de forma tão rápida e com resultados tão expressivos? A resposta passa por organização e determinação em mudar.
Primeiros passos
Antes de detalhar o que mudou nesse período, vale ressaltar que o processo de recuperação de Peugeot e Citroën começou anos antes da criação da Stellantis. Tudo começou com a nomeação de Ana Thereza Borsari para o comando da Peugeot em 2015. A brasileira acumulava anos de experiência na Europa, onde exerceu vários cargos na PSA e liderou as operações do grupo na Eslovênia.
Sob seu comando, Ana Thereza concentrou seus esforços em alguns pontos fracos das marcas no país – a executiva também assumiu as rédeas da Citroën em 2019. Um dos exemplos mais marcantes foi o esforço feito para melhorar a imagem das marcas no pós-vendas, com a criação dos programas de manutenção Peugeot Total Care e Citroën & Você.
Além de colocar sua própria imagem nas campanhas publicitárias, Borsari prometeu que o cliente insatisfeito com o serviço realizado não precisaria pagar a conta.
A executiva também colocou em prática um plano estratégico chamado “Virada Brasil”, que tinha a meta de dobrar o número de concessionárias de Peugeot e Citroën em quatro anos, a partir de 2018. O patamar projetado era de 364 lojas, divididas entre as duas marcas. Em 2019, por exemplo, o objetivo era obter crescimento de 30%, passando de 189 para 245 pontos de venda.
Não houve tempo para esperar pelo fim do plano, uma vez que a fusão de FCA e PSA foi oficializada justamente no último ano do planejamento. Embora muita coisa ainda precisasse ser feita, a imagem das marcas já havia melhorado consideravelmente no período.
De quebra, Ana Thereza teve seus esforços reconhecidos e trocou o comando de Peugeot e Citroën no Brasil por um novo desafio: assumiu o comando global das áreas de Atendimento ao Cliente e Experiência Digital em Veículos Comerciais Leves na própria Stellantis.
A fase Stellantis
Estava, portanto, nas mãos de Antonio Filosa, CEO da antiga FCA e comandante da Stellantis, o desafio de seguir com o processo de recuperação de Peugeot e Citroën por aqui. O executivo colocou as marcas francesas em um patamar bastante semelhante aos de Fiat e Jeep, as maiores e mais populares estrelas do grupo. Com isso, boa parte dos conceitos exitosos de mercado e produção foram replicados nas empresas ex-PSA.
A nova administração promoveu um reposicionamento de alguns produtos importantes. Foi o caso do Peugeot 208, que teve redução de até R$ 9 mil na tabela de preços, dependendo da versão. Ao atuar em outra faixa de mercado, o hatch, enfim, caiu nas graças do público.
Outra estratégia eficaz foi a de apostar nas vendas diretas. Se antes Peugeot e Citroën tinham volumes discretos nesta modalidade de emplacamento, tudo mudou com a nova gestão. Dois dos produtos mais fortes das marcas (Citroën C4 Cactus e Peugeot 208) começaram a ser vendidos em grandes quantidades para locadoras e frotistas.
Fora isso, a rede foi ampliada, inclusive com a abertura de pontos de venda onde já haviam revendas de Fiat e Jeep. Além de economizar custos, a medida otimizou o espaço disponível e ainda trouxe novas oportunidades de lucro para os grandes grupos de concessionários, que puderam somar dois nomes de peso à sua carteira de marcas.
Relação mútua
Um bom relacionamento só dá certo se houver colaboração entre as partes envolvidas. A Stellantis fez o que estava ao seu alcance e compartilhou tecnologias e motorizações com as marcas da era PSA.
Foi assim que 208 e C3 ganharam, em 2022, o eficiente motor 1.0 Firefly, com benefícios para todas as partes do grupo. No ano que vem, o mesmo 208 também ganhará o 1.0 T200 que hoje equipa os Fiat Pulse e Fastback.
“Essa é a sinergia óbvia: uma fábrica de motores pode fornecer para veículos de todas as nossas marcas. Com isso, aumentamos a produção e economizamos com a compra de componentes em maior quantidade”, analisou Filosa.
Só que não pense que não houve retribuição por parte das francesas. No Brasil, a Fiat lançou o Scudo, uma variação dos bem sucedidos Citroën Jumpy e Peugeot Expert.
Uma colaboração mais extensa ocorreu no cenário global, já que a competente plataforma modular CMP (na qual são fabricados modelos como os próprios 208 e C3) serviu de base para o Jeep Avenger, atualmente o menor modelo da marca norte-americana e que terá até versão elétrica.
Além disso, Citroën e Peugeot têm um importante trunfo: a maior experiência na produção de carros híbridos e elétricos, segmentos nos quais a antiga FCA demorou a entrar – e até hoje ainda tem presença tímida com as marcas Fiat e Jeep.
Prova disso está no próprio mercado brasileiro, onde Peugeot e Citroën oferecem quatro modelos elétricos (e-208 GT, e-2008, e-Expert e e-Jumpy), enquanto a Fiat vende apenas o 500 elétrico e a variação elétrica do Scudo. O mesmo acontece com a Jeep, que conta apenas com o híbrido Compass 4xe em sua gama de produtos eletrificados.
E o futuro?
O ano de 2023 promete ter focos diferentes para Peugeot e Citroën. A primeira deve ampliar sua gama de produtos elétricos com a estreia de dois modelos inéditos no país.
As apostas giram em torno do e-308 (versão movida a eletricidade do hatch médio vendido na Europa) e da e-Partner, a variação elétrica do furgão europeu que promete autonomia de até 275 km. Vale ressaltar que, apesar do nome, o e-Partner é bem diferente do Partner Rapid – este uma versão do Fiat Fiorino com a logomarca da Peugeot.
Já a Citroën concentra suas atenções no segundo produto do projeto C-Cubed. Apesar de não haver confirmação oficial, tudo indica que o próximo lançamento será o SUV derivado do C3 com espaço para sete pessoas. Conhecido provisoriamente pelo codinome CC24, ele já roda em testes pelas estradas brasileiras e deve ser lançado no ano que vem.
Em 2024 chegará o último dos três modelos inéditos – possivelmente um sedã compacto. É com eles que a marca espera chegar aos sonhados 4% de participação de mercado dentro de dois anos.
Com esse planejamento em vista, as marcas devem continuar em crescimento. E assim a história que começou com conversas despretensiosas virou um relacionamento estável e proveitoso para ambas as partes. Sorte da Stellantis.