Modalidade, hoje realizada apenas em negócios corporativos, divide opiniões no setor automotivo e assunto chega ao STF
As vendas diretas voltaram ao centro das atenções do setor automotivo nacional e não seria exagero dizer que o assunto será matéria de debate ao longo do ano. Desta vez, no entanto, o tema não é a venda de veículos às pessoas jurídicas realizada por montadoras. Mas, sim, às pessoas físicas.
A prática é incomum, uma vez que a lei Renato Ferrari, que regulamenta as relações comerciais entre fabricantes e suas redes de distribuidores desde 1979, estabelece que a venda de veículos para consumidor final deve ser feita apenas por concessionários.
Porém, disparidades entre a realidade do mercado atual e aquele de 45 anos atrás têm feito com que alguns interlocutores da indústria defendam mudanças no texto da lei.
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Concessionários ouvidos pela reportagem da Automotive Business afirmaram, em off, que as montadoras estão buscando formas e meios de vender veículos por via direta às pessoas físicas há algum tempo, sobretudo no ano passado.
A prática reduziria, em tese, a carga tributária por unidade vendida, uma vez que a incidência dos impostos se daria na tabela de preço de custo do veículo, e não na tabela de preço sugerido, usada nas vendas aos concessionários.
Isso abriria espaço para que as montadoras vendessem veículos mais baratos, por exemplo, dada a diferença de valores entre as tabelas. E ter a possibilidade de vender mais barato significa também poder vender mais, algo que as fabricantes têm buscado a todo custo após a pandemia, período em que as vendas de veículos despencaram não apenas no país, mas no mundo.
O tamanho dessa vontade de recuperação dos patamares de vendas de outros tempos pode ser medido com o esforço que foi despendido no ano passado para que houvesse um plano nacional de descontos para carros novos.
De olho no modelo de vendas diretas da concorrência
O modelo de faturamento direto ao cliente, inclusive, é praticado na rede de concessionários de marcas novatas no mercado brasileiro, como é o caso da Great Wall Motors, que negociou com seus distribuidores essas condições antes de construir sua rede nacional.
Os resultados dessas empresas no mercado doméstico obtidos por meio da venda direta ao consumidor final, segundo uma fonte ligada aos concessionários também ouvida pela reportagem, teria levado as montadoras mais veteranas a correrem atrás de algo semelhante para suas operações comerciais com o objetivo de incrementar suas vendas.
O assunto ganhou proporção a ponto de, na semana passada, representantes da Anfavea, que é a associação que representa as montadoras, se reunirem com representantes da Fenabrave, para discutirem o assunto.
Na ocasião, os dirigentes da Anfavea defenderam, ainda que de forma preliminar, a ideia de que mudanças na lei que regulamenta a distribuição de veículos no país talvez sejam viáveis, argumentando que o mercado atual, mais digital, demandaria modernizações nos tratados.
Pelos lados da Fenabrave, o assunto é tratado com cautela, principalmente depois que a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou no começo de janeiro, no Supremo Tribunal Federal (STF), alguns dispositivos da lei, como o de exclusividade de marca e o de exclusividade territorial.
“A Lei Renato Ferrari afronta a liberdade de contratar e viola os preceitos fundamentais da livre-iniciativa”, afirmou, em petição encaminhada ao STF em 13 de janeiro, a procuradora Elizeta Maria de Paiva Ramos.
Procurada pela reportagem, a entidade de classe disse que o seu conselho jurídico está analisando o caso.
Vendas diretas respondem por metade das negociações
O temor que existe entre os concessionários é de que, em um cenário onde a venda direta ao cliente final seja algo possível, as concessionárias perderiam força de vendas ante as montadoras. Ainda que as entregas dos veículos na ponta sejam feitas por meio dos distribuidores.
É o mesmo temor que surgiu quando as montadoras passaram a vender mais veículos pela forma direta aos clientes pessoas jurídicas, sobretudo locadoras. Segundo dados da Bright Consulting, a participação das vendas diretas nas vendas totais de veículos no país saltou de 43%, em 2018, para 46,8%, em 2023, um crescimento que foi acompanhado de forma atenta pelos olhos dos concessionários. O mesmo volta a ocorrer agora.